quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

UM SOBREVÔO NO CINEMA ARGENTINO

Quando o cinema do país platino conquista o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2010 com “El Secreto de SUS Ojos”, de Juan José Campanella, já exibido em Fortaleza, nada tão pertinente quanto o crítico abordar, mesmo a vôo de pássaro, o cinema argentino de ontem e de hoje, e também um pouco da história do nosso vizinho.

Colonizada pelos espanhóis no século XVI e em luta desde então por maior liberdade comercial, a Argentina nasceu, por assim dizer, inspirada nas revoluções americanas (1776-1785) e francesa (1789). A partir daí os chefes crioulos (brancos nascidos na América espanhola) reuniram-se e organizaram um movimento de emancipação sob liderança de José de San Martin, a qual culminou com a deposição do vice-rei espanhol (1810) e, depois de muita luta, com a declaração formal de independência da Argentina (1816).
A Argentina também desempenhou papel-chave na derrubada do domínio europeu no restante da América do Sul. Depois de um período de domínio semiditatorial, o país emergiu como república democrática em meados do século XIX, mas desde então tem tido problemas recorrentes com a estabilidade política, periodicamente caindo sob domínio militar. 194 ou 200 anos de independência, pouco importa: os argentinos podem orgulhar-se da ruptura com o jugo espanhol, mesmo se o país não conseguiu desfrutar de uma unidade interna, como veremos mais adiante.

Neste ponto, cabe lembrar a origem da palavra argentina-argentine, do Francês Intermediário argentin, do Francês Antigo argent (silver, em inglês) + in-ine, donde argênteo (prateado, de prata), porque o distrito do chamado Rio da Prata (silver river) exportava o metal. Em verdade, juntamente com o ouro, o irídio, o paládio e a platina, a prata é um dos chamados metais preciosos, devido principalmente à sua relativa escassez, maleabilidade e resistência à oxidação atmosférica.

Breve histórico cultural

A República Argentina, só para aguçar a memória dos leitores, ocupa a maior parte meridional da América do Sul entre os Andes a oeste e o Oceano Atlântico a leste. Está limitada pelo Chile (ao sul e a oeste) pela Bolívia e Paraguai (ao norte) e pelo Brasil e Uruguai (a nordeste). Naturalmente muito se poderia escrever neste Caderno sobre a paisagem argentina, suas principais regiões, grupos populacionais, demografia, economia nacional, governo, educação, saúde e bem-estar, instituições culturais e aspectos psicossociais e políticos, notadamente no tocante à fragilidade das instituições democráticas em vários períodos de sua existência, às vezes conturbada, sabendo-se do esforço de alguns poucos líderes democratas para continuar a sustentar instituições governamentais viáveis. Pois uma característica da história argentina tem sido uma tensão crescente, com freqüência irrompendo em violência entre Buenos Aires e o restante do país.
Originariamente vinculada ao vice-reinado do Peru, a Argentina tornou-se em 1776 parte do então recém-criado vice-reinado do Rio da Prata com sua Capital em Buenos Aires. Em suma, o país caracteriza-se por cidades europeizadas e um grande interior amiúde atrasado em seu desenvolvimento. A economia argentina tem como fulcro a exportação de carne bovina de primeira, uma de suas principais indústrias, mas tinha havido crescimento recente de têxteis, plásticos e a indústria de engenharia e desenvolvimento de recursos minerais naturais, particularmente cobre. Substanciais depósitos de petróleo e gás ocorrem em várias partes do país e são de suma importância para as indústrias em plena capacidade operacional.
Aspectos político-sociais

República democrática em meados do século XIX, desenvolveu-se na Argentina, de 1825 a 1850, uma confederação de províncias sob a liderança de Juan Manuel Rosas, adotando-se três depois uma nova Constituição com a qual Buenos Aires se tornou um distrito federal. A partir de 1880 prosperou uma economia razoavelmente estável baseada na exportação de grãos e carne bovina. Já nos primeiros anos do século XX a Argentina passou a ser governada por uma coalisão de grupos conservadores, os quais elegiam os presidentes, como Julio Argentino Roca, figura dominante daquele tempo. Uma crise econômica em 1890 resultou no surgimento do Partido Radical, o qual assumiu o poder em 1916 e nele permaneceu até 1930, quando o Presidente Hipólito Irigoyen foi deposto pelo exército. De novo, sob governança conservadora até 1943, em plena II Guerra, a Argentina permaneceu politicamente instável e um processo ditatorial elegeu o General Juan Domingo Perón (1895-1974), oficial de carreira do exército.

Perón e Evita

Perón assumiu o poder em 1946 e foi reeleito para novo mandato em 1951, não só pelas medidas adotadas para melhor distribuição da renda nacional como porque fortaleceu o movimento operário. A inegável popularidade de Perón se devia mais ao apelo carismático de Eva Perón, sua mulher. Depois da morte dela em 1952, a popularidade de Perón declinou rápida, particularmente após entrar em conflito com as hierarquias militares, o clero católico e as classes economicamente privilegiadas. Em 1955 Perón foi forçado a exilar-se na Espanha. Mas com a ressurreição” da poderosa força política do Partido Peronista, o caudilho retornou ao poder em 1973, somente para morrer menos de um ano depois. Com seu desparecimento, sucedeu-o sua viúva, a vice-presidente Maria Estela Martinez de Perón, deposta aliás pelo exército em março de 1976.
De então a esta parte o painel histórico da Argentina já se tornou mais conhecido dos leitores. Assim, o general Leopoldo Galtieri (22 dez 1981/18 jun 1982) presidiu a Argentina e tentou retomar as ilhas Malvinas (ou Falklands, para os ingleses) e enfrentou uma guerra desastrada. Seguiram-se-lhes Fernando de La Rúa (dez 1999 a dez 2001), depois Raul Ricardo Alfonsin (1983-1989), Carlos Saul Menem (1989-1995 e 1995-1999), Nestor Kirchner (2003-2007) e sua mulher Cristina (2007-).

Sobre Raul Alfonsin

De todos os presidentes argentinos cumpre destacar Raul Alfonsin, democrata, humanista, inimigo das torturas e dos torturadores, reconhecido aliás por sua contribuição institucional e por haver restabelecido a plena regência das instituições republicanas e dos direitos e garantias individuais. Não admira ter dito alto e bom som esta frase lapidar: “A democracia argentina foi sempre interrompida pelos golpes militares. É preciso pôr um fim nisso”.
Os maiores responsáveis pelas violações dos direitos humanos durante o regime militar (a tal “guerra suja” da qual resultaram milhares de desaparecidos políticos) foram julgados e condenados pela justiça. Mas Alfonsin teve de ceder às pressões de setores militares (temia ele um atentado?) e às contradições do seu partido e impediu o julgamento de outros responsáveis por graves violações dos direitos humanos ao promulgar as leis do “Ponto Final” (mecanismo de prescrição antecipada) e “Obediência Devida” (a culpa dos responsáveis por atrocidades cometidas). Mas o Congresso Nacional considerou nulas essas leis em 2003, finalmente declaradas inconstitucionais pela Corte Suprema em 14 de julho de 2005.
Advogado e político argentino respeitado, e uma das figuras mais importantes da história do seu partido, a União Cívica Radical, Alfonsin opôs-se à guerra das Malvinas e ao oficialismo partidário representado por Fernando de La Rúa, a quem derrotou para presidente da República. Também denunciou o pacto militar-sindical vinculado à Junta Militar. Na convenção do Partido Radical, Alfonsin derrotou o jornalista Ítalo Luder e logo assinou o Tratado de Paz e Amizade com o Chile, pondo fim a uma disputa de limites. Mas Alfonsin não conseguiu resolver os graves problemas econômicos enfrentados pelo país, neles incluída uma taxa anual de 343% em 1988 e superior a 3000% para 1989, apesar de haver adotado a Plano Austral com a substituição da moeda. Alfonsin renunciou à presidência cinco meses antes do término do seu mandato em 1989, sucedendo-lhe Carlos Menem (1989-95), reeleito (1995-99). Nestor Kirchner (2003-2007) e Cristina Kirchner (2007- ) são os derradeiros presidentes da Argentina, há pouco acusados de enriquecimento ilícito. Ficamos por aqui.

Nasce o cinema argentino

Os primeiros passos do cinema argentino, como bem registram os historiadores, foram dados em fins de 1886/1900 com a importação de câmaras de fabricação francesa, tendo-se filmado experimentalmente curtas e médias-metragens sobre o funcionamento de um Hospital de Clínicas e uma operação cirúrgica, uma abertura de avenida, a vida noturna da cidade (“Buenos Aires, a cidade que nunca dorme”, já dizia uma publicidade da época), a inauguração de um teatro, uma noitada de tangos e a maestria de um artista do bandônion (ou bandoneón, na escrita hispano-americana, espécie de acordeão quadrado com mecanismo e teclado semelhante ao da concertina). Segundo dizem, a criação desse instrumento nasceu de um turista alemão, também músico encantado com Buenos Aires e com as possibilidades do acordeão, por isso mesmo decidiu reduzir-lhe o tamanho e modificar alguns recursos. O bandoneón tornou-se em pouco tempo o instrumento mais típico das inesquecíveis noitadas de tangos argentinos.
Em 1901-10, filmou-se o primeiro noticiário intitulado “Viaje Del Doctor Campos Salles a Buenos Aires” e abriu-se o caminho para a produção de filmes de longa-metragem, ou seja, películas de ficção e personagem com a estréia, em 1908, de “El Fuzilamento de Dorrego”, de Mario Gallo, imigrante italiano e artista versátil. À época, o filme foi considerado um épico histórico, segundo registram os enciclopedistas Kline & Nolan. Quanto ao mais, os festejos do centenário da Revolução de Maio à qual já nos referimos, suscitaram noticiários e documentários diversos. Já se reconhecia então e se louvava o trabalho dos “cameramen” e dos iluminadores.
Mas somente em 1915 com a produção de “Amalia”, de Enrique Garcia, e “Nobleza Gaucha”, de Martinez, Guche y Cairo, os filmes argentinos se tornaram comercialmente bem sucedidos. Entre 1915 e 1927, a indústria cinematográfica do país viu nascer o estabelecimento de vários estúdios e também um melhoramento indiscutível em termos de proficiência técnica e da importância da edição. O cineasta dominante nesses tempos recuados, 1921-30, era José A. Ferreyra, cujos filmes, muitos aliás, como El Tango de La Muerte”, “Flor de Durazno”, com apresentação de Carlos Gardel, “El Gaucho” e “Viejita” eram extremamente populares do ponto-de-vista local. A produção de filmes durante a era do cinema mudo alcançou uma produção de doze longas-metragens, enquanto Federico Valle produz “El Apostol”, de Cristiani, Taborda e Decaud, desenho animado de longa-metragem em pleno cinema mudo. “El Último Malón”, de Alcides Greca, reconstruiu minuciosamente o documentário sobre o norte de Santa Fé.

Chega o Sonoro

Mas a verdadeira indústria de filmes argentinos chegou mesmo à sua plenitude em 1933 com a afirmação do cinema sonoro. O som infundiu nova vida ao cinema platino porque o mundo de fala espanhola estava ansioso para entretenimentos visuais falado em sua língua. Na esteira do grande sucesso de Ferreyra, “Muñequitas Porteñas” (1931), a indústria gozou de contínua prosperidade através dos anos 30, produzindo muitas comédias e melodramas para um mercado em processo de abertura cada vez maior. O sucesso comercial de então encorajou os produtores a tentarem películas mais ambiciosas e disso resultou o surgimento de diretores mais sofisticados, tais como Mario Soffici, Luis Salawsky, de origem européia, e Manuel Romero.
Apesar disso, durante a II Guerra o México ganhou predominância na produção de filmes para o mundo de fala espanhola. Sob a ditadura de Perón, o regime tentou expandir a indústria argentina de filmes, mas sem muito sucesso. Mesmo quando a produção chegava a 50 celulóides por ano, as políticas governamentais de visão curta não favoreciam a individualidade artística nem o entretenimento livre com base em propaganda. Com algumas poucas exceções, como o “Las Aguas Bajan Turbias” (195- ), de Hugo Del Carril (renomado cantor de tangos, mas também cineasta e produtor), a produção argentina deixava a desejar. A reputação dos filmes argentinos dos anos 60 se apoiava principalmente nos talentos de Leopoldo Torre Nilsson (1924-78), cineasta de grande proficiência técnica e inspiração temática. Coube-lhe conquistar o reconhecimento internacional com filmes da categoria de “The House of the Angel” (título em inglês, de 1957), “La Caída” (1959), “Fin de Fiesta” (The Blood Feast/The Party Is Over) (1960), “Summerskin” (1961) e “The Eavesdroppers” (pessoas incumbidas de fazer escutas sigilosas) (1964). Desde os anos 70, apesar da intensificada repressão política e da censura permanente e uma das piores espirais inflacionárias do planeta, os jovens cineastas conseguiram surpreender a comunidade internacional de cinema cada vez mais com um número significativo de produções ousadas, criativas e de alta qualidade fílmica. Daí um dos triunfos com “El Secreto de sus Ojos”, de Juan José Campanella já referido no início deste artigo, vencedor do Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira em 2010.

Sobre cineastas modernos

O espaço deste Caderno não permite maiores considerações biofilmográficas dos melhores cineastas argentinos, muitos dos quais já desaparecidos para sempre do nosso convívio. Por isso, mesmo correndo o risco de alguma omissão, selecionamos de forma concisa os nomes daqueles considerados indispensáveis por alguns analistas e de suas realizações, alguns deles ilustrados com fotos de filmes e de seus respectivos DVDs. Ei-los:
Fabian Bielinsky (1959-2000), talentoso realizador portenho pleno de muitas afinidades com o veículo cinematográfico, tendo feito seu primeiro curta-metragem aos 13 anos e vencido o concurso de novos talentos patrocinado pela Kodak. Seu filme mais importante, “Nove Rainhas” (Nueve Reinas), de 200, fez jus a vários prêmios em festivais sul-americanos e encômios da crítica tanto daqui como de países da Europa, onde foi exibido nos circuitos e em cineclubes parisienses. Bielinsky formou-se em cinema no Centro experimental de Realização Cinematográfica, tendo participado de cerca de 400 filmes publicitários, antes de iniciar-se como assistente de direção de Eliseu Subiela (1944- ) em “No Te Muevas sin Decirme Adonde Vás” (1995).
Fernando Birri (1925- ) foi assistente de De Sica em “O Teto” (1956) e o fundador e principal motor do Instituto de Cinematografia da Universidade Nacional del Litoral em Santa Fé. Birri formou vários documentaristas e dirigiu vários filmes bastante apreciados. “Los Inundados” (1961) e “El Siglo del Viento” (1999) são considerados seus melhores longas. Birri esteve em Fortaleza por ocasião do XVI Cine Ceará (2006), quando deixou subsídios cinéfilos interessados em conhecer um pouco de sua visão de documentarista sempre atento às situações do quotidiano e à interpretação dos seus desdobramentos, apesar de sua provecta idade.
Fernando Ezequiel Solanas (1936- ) é um dos grandes realizadores da arte cinematográfica, diretor de documentários e filmes de ficção baseados na realidade político-social de seu país e de sua cidade natal, Buenos Aires. Basta ler e reler as referências críticas daqui e dali sobre seus filmes exponenciais, máxime dois dos mais apreciados mundo afora: “Tangos, Exílio de Gardel” e “Sur, Amor e Liberdade”, ambos aliás comentados pelo crítico deste Caderno e publicados nesta edição pela riqueza de suas imagens-movimento, imagens-significantes, imagens-rosto, imagens-tempo e pela utilização criativa do realismo fantástico, quando mortos “ressuscitam” em “Sur” e suas metáforas chegam ao máximo da criatividade motovisual e a música de Piazzolla e do próprio Solanas são marcos importantes no conjunto. excelentes também “A Nuvem” (La Nube) e “Los Hijos de Fierro” (1972/78), o documentário “Le Regard des Autres” (1980), feito na França, e “El Viaje”, com a participação da atriz Ângela Correia. Estudante de piano e composição musical, Solanas exilou-se na França depois do golpe militar de 1976 e diplomou-se pela Escola Nacional de Artes Dramáticas em interpretação e direção. Também dirigiu pouco mais de 400 filmes publicitários de categoria e criou sua própria produtora. Daqui nosso tributo ao grande mestre argentino.
Hugo Del Carril (1912-89), cantor de tango, ator e produtor radiofônico e diretor do Instituto Nacional de Cinematografia e também cineasta de categoria. Com “Las Aguas Bajan Túrbias” (1951, Del Carril revelou ao público ocidental as potencialidades do cinema argentino, projetadas também em filmes como “Historia del 1900” (1949), “Surcos de Sangre” (1950), “La Quintralla” (1955), “mas Allá del Olvido” (1956), “Uma Cita com la Vida” (1957), “Las Tierras Blancas” (1959), “Culpable” (1960), “Esta Tierra Es Mia” (1961), e “Buenas Noches, Buenos Aires” (1964). Como registra o crítico Octavio Getino in “Les Cinémas de l’Amerique Latine”, Del Carril nunca foi indiferente em relação aos problemas sociais. “Trata-se de um cinema intuitivo, porém rico e profundo na sua temática.” Para o cinéfilo e analista Paulo de Freitas Marques, a competência de Del Carril foi algumas vezes preterida pelo seu prestígio como cantor, como se não fosse possível combinar o artista de tangos com suas qualidades intrínsecas de cineasta.
Hector Olivera (1931- ), produtor e diretor argentino e fundador, com Fernando Ayala, da empresa Artes Cinematográficas Argentinas s/a para a qual realizou todos os seus filmes a partir de 1967. Conquistou o Urso de Prata no Festival Internacional de Berlim com “La Patagônia Rebelde”, em 1975, e novamente na Capital alemã outro troféu com “No Habrá más Penas ni Olvido” (1984). Na década de 80 produziu filmes de ação em seu país para o mercado internacional de vídeos e dirigiu obras importantes como “O Império do Medo” (1984), “Guerra da Cocaína” (1985), “La Noche de los Lapices” (1986) (um dos filmes mais aterrorizantes sobre as torturas sofridas por jovens adolescentes presos pelas forças de repressão simplesmente porque reivindicavam redução das tarifas estudantis nos ônibus! Dos 14 presos só um conseguiu escapar para descrever o horror vivido por eles). Seguiram-se-lhes “Tango Religioso” (1988), “El Caso Maria Soledad” (1993), “Uma Sombra já Pronto Serás” (1994) e “Antiga Vida Mia” (2001), alguns dos quais vistos por este crítico na Capital portenha.
Juan José Campanella (1959- ), nascido em Buenos Aires, começou estudando engenharia mas desistiu da carreira após quatro anos na universidade. O fator decisivo para essa resolução, conforme explicou depois, foi ter visto o filme “All That Jazz”, de Bob Fosse, no mesmo dia no qual ia decidir-se pelo quinto ano. Daí seu interesse pelo cinema e seu “debut”como diretor, 20 anos depois, de um curta-metragem intitulado “Prioridade Nacional”. Campanella viajou em seguida para os EUA e entrou na Tisch School de Artes. Quatro anos depois, em 1984, fez “Victoria 392”, seu segundo filme. Foi a primeira das cinco colaborações com o ator e amigo Eduardo Blanco e a primeira com o roteirista Fernando Castets, com quem co-dirigiu e co-roteirizou o filme. Em 1999 Campanella reuniu-se uma vez mais com Castets para escrever “El Mismo Amor, La Misma Lluvia”, com o festejado ator Ricardo Darín, com quem se encontrara quinze anos antes no estrangeiro, e Eduardo Blanco. Seus dois outros filmes foram “El Hijo de La Novia” (2001), indicado para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2002, e “Luna de Avellaneda” (2004). Novamente Campanella e Castets atuaram como “scripters” e Darín e Blanco como ator principal e coadjuvante, respectivamente. Darín foi mais vez o protagonista do filme “El Secreto de Sus Ojos” (2009), drama de mistério, o quarto longa-metragem do cineasta, desta feita conquistando o Oscar de MFLE e o Prêmio Goya, da Espanha, ambos de 2009. Campanella parece ter-se radicado nos EUA, onde dirigiu séries de TV como “House”, “30 Rock” e “Law & Order”. Outro louvado filme de Campanella foi “Clube da Lua”, de 2004.
Miguel Kohan (1957- ). Proficiente documentarista, Kohan dirigiu “Café de los Maestros” (1997), filme com o qual resgata a era de ouro do tango na Argentina. “Salinas Grandes” (2004) foi exibido e louvado em diversos festivais internacionais. Psicanalista freudiano de vocação, estudou cinema e TV na UCLA (EUA) e tornou-se assistente de direção do documentarista Ross McElwee em “Six O’Clock News” (1996). Vale ver e rever a dinâmica e a seleção musical feita por Lohan, um dos mais belos comentários motovisuais sobre a música argentina, lembrando de alguma forma os tempos de Gardel, Del Carril e outros cobras, bem assim a “performance” dos bandeonistas.
Marcos Bechis (1955- ). Cineasta de talento e experiência no metiê, Bechis dirigiu “Garage Olimpo” (1999), denúncia contundente da perversa ditadura argentina, ao focalizar um dos abomináveis locais de tortura e morte de dezenas de “subversivos”. Um filme só para quem tem nervos para agüentar a visão de algumas cenas, feitas aliás de forma tão realista a ponto de o espectador ingênuo ou distraído ver as imagens da barbárie como uma representação exagerada das matanças do homem de Neanderthal... Para Bechis, vivemos realmente num mundo à deriva, onde a existência do mal parece predominar impune e fazer-nos descrentes de qualquer sentido para a vida e onde o massacre dos inocentes é incompreensível e inexplicável. Bechis também recebeu críticas favoráveis pela sua direção em “Birdwatchers” (2008).
Daniel Burman (1973- ), um dos mais talentosos da nova geração de cineastas argentinos. Conquistou o grande prêmio do Júri do festival de Berlim (Urso de Prata) e Daniel Hendler um troféu especial pela sua colaboração autoral em “Ninho Vazio”. Este filme, o 7° longa escrito e dirigido por Burman, também ganhou o prêmio de Melhor Ator (Oscar Martinez) e Melhor Fotografia (Hugo Colage). Para o crítico do “O Estado de São Paulo”, “o cinema de Daniel Burman... flui. Corre como água. Seus filmes são extremamente agradáveis de se ver e rever”. Dele é também “Leis de Família”, mas “Ninho Vazio” foi o filme mais visto em 2008! Os analistas das películas de Burman mandam prestar atenção na atuação da atriz Cecilia Roth, ao dar consistência a uma personagem feminina capaz de redescobrir sua sensualidade e capacidade de reinventar-se, até mesmo intelectualmente, depois de décadas de rotina no casamento. Também no trabalho da atriz revelação do cinema argentino, Inés Efron, no filme XXY, igualmente partícipe deste “Ninho Vazio”.
Israel Adrian Caetano (1969- ), cineasta uruguaio radicado na Argentina, dirigiu “Pizza, Beer, Cigarettes” (1997), seu primeiro longa, e depois “Bolívia” (2001), quando demonstrou competência para solucionar problemas do ritmo cinematográfico. “Crônica de uma Fuga” (2007) recebeu vários prêmios, tendo sido exibido nos Festivais de Cannes e Toronto. Cineasta com senso de organização e entrosamento com a equipe, Caetano contribuiu bastante para o surgimento do chamado Novo Cinema Argentino. História da vida real recontada por um cineasta singular, “Crônica de uma Fuga” é um “thriller” político passado em 1977, em Buenos Aires, durante a ditadura militar argentina: “Um grupo a serviço do governo repressor e infame seqüestra Claudio Tamburrini, goleiro de um time de futebol, e o leva para um centro de detenção clandestino conhecido como Mansão Seré. Nessa espécie de manicômio, sem regras, onde vários jovens convivem à espera de como serão divididos os seus destinos, Cláudio conhece Guilherme. Após quatro meses de cativeiro, Cláudio, Guilherme e outros dois companheiros de quarto, Huguito e Gallego, armam uma fuga pulando no vazio em meio a um temporal. Ai começa o futuro deles...” O filme foi escolhido para participar da Seleção Oficial do Festival de Cannes de 2006.
Raul de La Torre (1938-2010). Natural de Buenos Aires, produtor e diretor, De La Torre fez parte da geração de realizadores de filmes publicitários de qualidade. Estudou pintura e desenho antes de dedicar-se às teorias do filme e escrever o romance “Graciela y Buenos Aires” (1962). De 1969 em diante, De La Torre dirigiu longas e seu “Pobre Mariposa” representou bem a Argentina no Concurso Oficial do Festival de Cannes (1986). Fâ da atriz Graciela Borges, utilizou-se dela para lançá-la como protagonista em vários filmes como “Crônica de uma Senhora” (1971), “Heroína” (1972), “La Revolución” (1973), “Sola” (1976), “El Infierno (1980), “Pubis Angelical” (1982) e o já citado “Pobre Mariposa” (1985). Em “El Color Escondido” (1988), De La Torre valeu-se de Carola Reyna para o papel principal e em “Funes, um Gran Amor” (1993), trouxe de novo Graciela ao lado de Gian Maria Volonté e, em “Peperina” (1996) recorreu a Andrea Del Boca e Camila Bertone. De La Torre tinha vários bons projetos em andamento, mas veio a falecer na primeira década do novo século.
Leopoldo Torre Nilsson (1924-78) escritor, produtor e diretor, filho de Leopoldo Torres Rios (1899-1960), um dos mestres mais importantes do cinema argentino, com rica filmografia, às vezes polêmica. Torre Nilsson começou co-dirigindo com o pai seus dois primeiros filmes, “El Crimen de Oribe” (1949) e “El Hijo Del Crack” (1952), seguindo-se-lhes “Dias de Odio” e “La Tigra” (ambos de 1953), “La Casa Del Angel” (1956), “La Mano en La Trampa” (1960), “Piel de Verano” (1961), “Homenaje a La Hora de La Siesta” (1962), “El Ojo que Espia” (1964), “Los Traidores de San Angel” (1966), “Martin Fierro” (1968), “Güemes – La Tierra em Armas” e “La Maffia” (ambos de 1971), “Los Siete Locos” (1972), “Boquitas Pintadas” e “El Pibe Cabeza” (os dois de 1974), “Diário de La Guerra del cerdo e “Piedra Libre” (ambos de 1975). No início de carreira, recorde-se, Torre Nilsson fez curtas-metragens interessantes como “El Muro” (1947), “Precursores de La Pintura Argentina” e “Los Arboles de Buenos Aires” (ambos de 1957).
Como bem assinala o crítico e escritor Rubens Ewald Filho, Torre Nilsson foi um renovador da linguagem do cinema em seus país, mormente quando chamou atenção no Festival de Cannes de 1957 para a abertura de novos caminhos. Colaborou ele proveitosamente, por muito tempo, com Beatriz Guido (1924-88), escritora de renome e sua mulher até a morte. Como Torre Nilsson se tornou o cineasta argentino mais conhecido internacionalmente, sua obra fílmica foi alvo de estudos por parte de historiadores como Georges Sadoul e George Fenin, os quais vêem nela elementos barrocos fundidos a numa forte crítica social. Em 1968, TN iniciou “Martin Fierro” (Gaivotas de Ouro” no II FIF do Rio de Janeiro), um período de filmes épicos. No terço final de sua filmografia, dedicou-se a adaptar romances de renomados autores argentinos como Robert Arlt, Manuel Puig, Adolfo Bioy Casares, Jorge Luis Borges. Durante toda sua existência TN lutou contra a censura e os ditadores de plantão, civis ou militares, particularmente em seu último filme, “Piedra Livre”. Um trabalho publicitário para os cigarros Marlboro, estrelado por Mel Ferrer, foi sua última atuação por trás das câmaras. TN também dirigiu filmes com atores americanos como Geraldine Page, Alan Bates, Melvyn Douglas e Arthur Kennedy. Um dos filhos de TN, Javier Torre (1946-), estava prestes a dirigir “Fiebre Amarilla” (1981), com argumento original de seus pais, quando adoeceu.
Já o dicionarista francês Jean Tulard, admirador do cineasta argentino, lembra como ficou impressionado com um filme estranho de Torre Nilsson, “próximo do universo de Jorge Luis Borges, seu compatriota, no qual estátuas impudicas eram cobertas e as jovens se banhavam vestidas com longas camisas...” “La Casa del Angel” (1956) logo se tornou conhecido no Festival de Cannes, filme admiravelmente fotogradado e editado, escreve Tulard, prova cabal de um domínio completo dos meios técnicos à disposição de um cineasta inventivo. “A Mão na Armadilha” (1960) confirmava a afinidade de TN com atmosferas mágicas e insólitas nas quais a inocência acabava se corrompendo. TN também sabia olhar com espírito crítico a sociedade argentina e denunciou suas taras (“Fin de Fiesta”, 1959). Escritor brilhante, TN teve colaboração da romancista Beatriz Guido, sua mulher, como já referido. Fernando Solanas, outro grande cineasta argentino, filmou “Los Hijos de Fierro” (1972) como reação contra o “Martin Fierro de TN (1968).
Maria Luiza Bemberg (1923-95), ex-curta-metragista nascida em Buenos Aires, produtora e diretora de prestígio, foi também roteirista de Raul de La Torre em “Cronica de uma Señora” (1970) e de Fernando Ayala em “Triângulo de Quatro” (1974). Sua obra destaca o papel da mulher na sociedade machista e preconceituosa. Consagrou-se internacionalmente com “Camila” (1983), símbolo da mulher apaixonada e um libelo contra a intolerância e a estupidez humana. A fita foi indicada para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Para seu 4° filme Maria Luiza conseguiu trazer Julie Christie para vir atuar na Argentina. Seu derradeiro filme, e também o melhor para muitos críticos, é “De Eso no se Habla” (1993), inusitada história de amor de Marcelo Mastroianni com uma anã.
Luis Puenzo (1946- ). Outro importante produtor, diretor e escritor argentino vindo da publicidade, Puenzo ousou levar às telas as manifestações das “loucas da Praça de Maio” na Buenos Aires dos anos 80, com seu irretocável “A História Oficial” (1984), com o qual se consagrou internacionalmente e pelo qual recebeu uma chuva de recompensas, começando com indicações para o Oscar de MFLE e roteiro original e Melhor Interpretação Feminina em Cannes. Restava-lhe dirigir, desta vez com capitais americanos e dentro da tradição hollywoodiana, um filme para Jane Fonda. Isso ocorreu com “Gringo Velho” (Old Gringo), com base em roteiro de Carlos Fuentes, com Gregory Peck firme no papel do escritor Ambrose Bierce (1842-1914), jornalista, misantropo, satirista e autor de contos sardônicos com base em temas da morte e horror e de um “Dicionário do Diabo” (1906). Homem perturbado, separou-se da mulher, perdeu dois filhos e rompeu com muitas amizades. Para Leornard Maltin o filme tem falhas em seu conjunto, compensadas pela rica atmosgera criada por Puenzo e o desempenho superlativo dos atores sob a batuta do cineasta argentino, aliás louvado por muitos críticos devido a “A Peste de Camus” (The Plague, 1991), com William Hurt e Robert Duvall, todo filmeado em Buenos Aires.
Edgardo Cozarinsky (1939- ), escritor e realizador de filmes, é mais conhecido por seu “Vudu Urbano”. Seus autores favoritos foram Robert Stevenson, Joseph Conrad e Henry James. Diplomou-se em Literatura pela Universidade Buenos Aires e escreveu críticas para revistas de cinéfilos, tendo publicado “El Labirinto de La Aparencia”, ensaio sobre James desenvolvido durante seus trabalhos de graduação. Mal chegado aos vinte anos já se tornara conhecedor da obra magistral de Jorge Luis Borges, Bioy Casares, Julio Cortazar e Silvira Ocampo, todos escritores de prestígio com quem conviveu durante anos em Buenos Aires. Em 1974 publicou “Borges y El Cine”. Nesse mesmo ano, em face da agitação política e repressão iminente, Cozarinsky foi para Paris, sempre aberta para quem quiser abrigar-se na cidade Luz, e se envolveu com a realização de filmes de ficção com material documental e reflexões íntimas. Mostrou-se bem entendido em cinema e se distringuiu com a realização de “La Guerre d’un Seul Homme” (1981) e “Auto-Portrait d’un Unconnu” (1983), o primeiro deles uma confrontação entre os diários de guerra de Ernst Junger e os documentários franceses do período da ocupação alemã. Quando terminou a ditadura militar na Argentina, Cozarinsky voltou a Buenos Aires em 1985 e fez o filme “Guerreros y Cautivas” (Warriors and Captive Women). Recebeu elogios por dois filmes seus de aventuras, “Rothschild’s Violin” (1995) e “Ghosts of Tangier” (1996). Republicou com êxito seus contos, ensaios, memórias e crônicas e trouxe de volta o filme “Les Apprentis-Sorciers”, produzido e dirigido por ele.
Fernando Ayala (1920-91), cinéfilo argentino, iniciou-se nos curtas-metragens, para ele um dos caminhos mais recomendáveis para quem quiser chegar a produtor e diretor de filmes. Passada a fase de aprendizado e muito labor, Ayala se tornou conhecido por dois livros causadores de grande impacto no país: “El Jefe” (1958) e “El Candidato” (1959), ambos com apoio nos roteiros do escritor David Viana. No primeiro deles, Ayala pôs em questão o princípio do caudilho. Seu tratamento do tema primou pela prudência, mas dava um novo tom às produções da época encalhadas num mesmo e aproveitou o ensejo para desenvolver um cinema “independente”, voltando-se para o folclore e a história nacional, antes de decidir-se por comédias e melodramas de olho nas bilheterias. Afora os dois citados acima, seus principais filmes incluem “Los Tallos Amargos” (1957), “La Industria Del Matrimonio” (1964), “Em Mi Casa Mando Yo” (1967), “Argentina Hasta La Muerte” (1968), “Los Medicos” (1978), “Plata Dulce” (1982), “El Arreglo” (1983), “Pasaageros” de uma Pesadilla” (1984) e “Dios los Cria” (1991), seu último trabalho.
Julia Solomonof (1968- ), nascida em Buenos Aires, jovem e proficiente realizadora de filmes, com muitas afinidades com o veículo e muita sensibilidade no trato dos temas da vida moderna. Distringiu-se com “Ahora”, “Hermanas” e Scratch” (sem títulos em português e principalmente com “El Último Verano de La Boyita” (2009), visto por alguns analistas como pequena obra-prima de uma realizadora plena de possibilidades de crescer no mundo do cinema. Cineasta em evolução, Julia tem dirigido episódios na TV com destaque para “Version Española” e “Miradas 2” (ambos de 2009) e “Dias de Cine” (2010).
Estas as reflexões sobre o cinema argentino julgadas relevantes para os cinéfilos interessados.

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