quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

REVISITANDO “FAHRENHEIT 451”

(Momento da filmagem de "Fahrenheit 451", captado por Philippe Halsman e publicado no livro Magnum Cinema).

Muitos críticos e cinéfilos daqui e dali não avaliaram bem o alcance deste 8º filme do saudoso mestre francês (1932-84), quando de sua exibição em nossas telas, tampouco quando assistiram a ele em DVD, embora lhe reconhecessem as qualidades técnicas e os méritos das cenas de impacto, como a morte pelo fogo de uma mulher idosa decidida a não abandonar seus livros. Igualmente, a reinterpretação da sinistra realidade fascistóide de um mundo do futuro imaginado pelo papa da ficção científica, Ray Bradbury (1920- ). Roteirizada pelo próprio Truffaut e Jean-Louis Richard, faltou à realização, segundo aqueles críticos, o registro emocional tão necessário às tragédias coletivas, como aquela retratada por “Fahrenheit 451”.

O filme de Truffaut, indicado aliás para o Oscar e o BAFTA de Melhor Filme Estrangeiro, foi reexibido recentemente num “home theater” de cinéfilos para quem fizemos uma apresentação e coordenamos o intercâmbio de idéias ao final. Para quem não apreciou a versão cinematográfica no ecrã, foi-lhes recomendada uma revisão atenta do filme (há cópias disponíveis em DVD) e de um texto de Truffaut transcrito a seguir. Quem quiser também poderá ler nosso artigo publicado no Caderno de Cultura (DN de 25 set 2006) e conferir as achegas ali reunidas. Não esquecer algumas opiniões publicadas em revistas, como as do exigente crítico Gary Carpenter, segundo o qual o “script” de Truffaut/Richard é um dos mais inteligentes de quantos foram escritos nos anos 60, e a direção do cineasta a melhor vista por ele de uma adaptação literária para o cinema. Eis as reflexões de Truffaut às quais nos referimos:

“Decidi fazer ‘Fahrenheit 451’ quando me correspondi com Ray Bradbury, um dos maiores visionários de toda a literatura contemporânea, como escreveu Aldous Huxley, e ele veio de Los Angeles para encontrar-se comigo em Nova Iorque. O mestre da FC acolheu-me de forma muito simpática e estabelecemos logo um ‘rapport’, apesar do meu inglês claudicante. Resolvi de pronto comprar os direitos de seu livro e comecei a trabalhar com Jean-Louis Richard na adaptação do texto para o cinema. Há um ano, aliás, eu já havia adotado Bradbury como escritor e já estava lendo em francês tudo quanto havia sido traduzido. No avião em pleno vôo para os EUA, eu ainda o lia. Somos obrigados a reconhecer nele um escritor autêntico e de fértil imaginação, sem esquecer sua invejável cosmovisão. Digam-no obras como ‘As Crônicas Marcianas’ ou seus ‘Contos do Pais de Outubro’.

“Na transposição de um veículo para o outro, aproveitei 60% do livro, os restantes 40% foram inventados, mas na mesma trilha do pensamento do autor americano. Suprimi o personagem Faber, defensor dos livros, pois era um velho filósofo falador e talvez deixasse o espectador entediado. Todos os livros do filme foram realmente queimados, mas arrumei os planos de tal modo pudesse o espectador ver os títulos de muitos deles; é o aspecto mais importante do livro, razão pela qual eu queria tanto realizar o filme. Eliminei também quase todos os elementos de ficção científica propriamente ditos, como o robô-policial perseguidor de Montag e o substituí pelos mil olhos de um outro bombeiro (o ator alemão Anton Diffring), o qual passa o tempo todo espionando o colega. A única cena de FC é a dos policiais voadores, pois os efeitos desse gênero são muito difíceis de concretizar e quase sempre se arriscam a parecer ridículos.

“Em certos momentos, por exemplo, Bradbury escreve: ‘A cidade zumbia’. Ora, é difícil fazer uma cidade zumbir. Quis evitar qualquer tipo de confusão na cabeça do espectador, então pedi para o Bernard Hermann, cujo trabalho admiro muito, para compor uma melodia dramática convencional, sem qualquer traço futurista. Em raro e curto instante de intimidade amorosa, entre Montag e a mulher, pode-se ouvir a beleza de sua melodia sempre inspirada. Recordemo-nos de ‘Kane’, ‘Soberba’ e ‘Vertigo’. Creio na necessidade de ter-se apenas uma coisa de cada vez na tela e por isso quis que no filme houvesse apenas a queima de livros.

“Adorei levar o livro de Bradbury à tela, tão logo o descobri. A censura aos livros é um tema atual e não somente de FC: todos os dias são queimados livros pelo mundo. Creio que somente a Suécia escapa a essa censura torpe, mas na África do Sul há uma lista de vinte mil livros proibidos e recentemente os queimaram na Indonésia e na China. Há outros exemplos tristes dessa prática, os quais, em tempos menos recentes, nos lembram as fogueiras dos nazistas após a ascensão de Hitler ao poder totalitário.

“As cenas de incêndio de ‘Fahrenheit 451’ são formidáveis e foram perigosas durante as filmagens. No terço final, instalei três câmaras para filmar o incêndio de três ângulos diferentes e depois escolher o melhor. Ao abrirem uma porta inadvertidamente, os bombeiros criaram uma corrente de ar e esta lançou as chamas na direção da terceira câmara, onde estávamos o cinegrafista e eu. Salvamo-nos por pouco, mas tivemos os cabelos quase queimados. Em meio ao incêndio, o capitão dos bombeiros sufocava. Mesmo protegido por uma máscara de amianto e vestes à prova de fogo, ele havia prendido essa máscara com tanta força a ponto de ficar asfixiado. Sua agonia simulada foi o mais espetacular de tudo!

“Tive muitos desentendimentos com Oskar Werner durante as filmagens porque ele tinha idéias bem precisas sobre seu papel, apenas diferentes das minhas. Ê um ator extraordinário, mas o fato de não saber bem o francês pode ter contribuído para isso. Felizmente, uma das cenas essenciais, seu desmaio diante do capitão fascista, de certa forma a chave do filme, ele aceitou fazer tal como a concebi. Sim, a chave do filme, porque era a melhor maneira de escapar ... a astúcia ideal.

“Poderia ter filmado em Toronto, Estocolmo, num subúrbio de Paris, em Meudon, por exemplo. Não, sinceramente não sofri por filmar na Inglaterra, onde todo mundo foi tão gentil comigo. Sofri apenas devido ao problema da língua, por não poder modificar ou reajustar alguns diálogos durante as filmagens. Em geral, quando se fala de cinema, subestima-se a importância das palavras.

“Dei os dois papéis de mulher a uma só atriz (Julie Christie) para destruir definitivamente a dualidade ou o contraste entre a morena e a loura, etc. Como esses papéis eram muito pouco espetaculares, evitamos os inconvenientes de um desempenho de vedete, ainda mais porque Julie os interpretou sem demonstrar preferência por um ou outro e com igual modéstia.

“Dessa vez tentei ser realista e onírico na filmagem, criando em cada cena, mesmo normal, um desequilíbrio, uma oscilação, uma instabilidade. O sonho de todo artista é transformar cada idéia em algo ao mesmo tempo cômico e dramático, verdadeiro e falso. Não mudei de estilo. Em meus outros filmes a prioridade era dada aos personagens ou à história. Dessa vez me preocupei com tudo quanto o livro de Bradbury sugeria de visual. Daí, próximo ao final, o carro da polícia nas ruas, as pessoas aparecendo na soleira de suas portas e a panorâmica descobrindo Montag em fuga num vão de escada ... Fiz menos movimentos de câmara, principalmente porque o filme foi rodado em cores.
“Não pretendi transmitir qualquer mensagem, mas apenas mostrar uma forma de luta contra a autoridade arbitrária. ‘Fahrenheit 451’ é contra o poder em geral na medida em que esse poder subestima a cultura ou lhe dá importância exagerada, ao fingir acreditar que um filme, urna peça de teatro ou um romance, por exemplo, ‘A Religiosa’, ‘Marat-Sade’, realmente possam ser perigosos. Não sou contra a violência por idealismo, por adesão a idéias de não-violência. Sou contra a violência e a intolerância porque elas significam confronto. Ë como a discussão, algo do qual não gosto. Se quero alguma coisa, o meu desejo é tão intenso que não perco tempo com discussões. Se quero partir, parto, não falo sobre isso, pois se falo os outros me impedem de partir. Para mim, quem substitui a violência é a fuga, não a fuga do essencial, mas a fuga para se obter o essencial.

“Creio ter ilustrado isso em ‘Fahrenheit 451’. É um aspecto do filme que escapou a todo mundo e me parece importante: a apologia da astúcia. ‘Ah, então os livros estão proibidos? Então, muito bem, vamos aprendê-los de cor’. É o supra-sumo da astúcia. Não me farão assinar com outros amigos cineastas um manifesto contra a censura, pois creio haver cinqüenta maneiras de se enganar, de vencer a censura e de se enviar a todos os outros países um filme exatamente como se quer que ele seja. A meu ver, isso é melhor em relação à violência. Não lutarei em nome de princípios. Tenho uma idéia completamente pessimista em relação à sociedade humana na qual vivemos.”

“Quanto às críticas de alguns amigos franceses, segundo as quais o filme é frio, desprovido de emoções, todas elas contidas ou sufocadas por uma ditadura igual ou pior em relação a todas elas, não discordo: foi exatamente isso o que tive em mente. Afinal, estamos numa visão futurística, distópica, de um estado totalitário, onde as pessoas se escondem, se contêm, as imagens-rosto não exprimem alegria, espontaneidade ou satisfação. Qualquer extravasamento emocional daquela coletividade, caso eu optasse por isso, pareceria algo forçado, inconvincente. Quanto à direção cinematográfica, bastam-me as palavras de Bradbury: ‘Você me entendeu e fez o filme que devia fazer. Parabéns pela realização e meu muito obrigado pelo esforço despendido no mister’”.

Caso Bradbury conhecesse o vernáculo e tivesse lido “Além dos Marimbus”, belo romance de Herberto Salles um tanto subestimado, bem poderia ter incluído, com pequena substituição do sujeito, esta frase exemplar do autor brasileiro, pois ela se prestaria, mutatis mutandis, à ausência de emoções e à frieza das quais se queixaram os críticos apressados de “Fahrenheit 451“: “Filme triste, cerradamente triste, sem uma clareira de esperança, mal visitado pelo amor que só a espaços reponta”. Ficamos por aqui.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

QUEM É ALAIN RESNAIS



Intelectual francês e um dos cineastas mais brilhantes de quantos têm atuado por trás das câmaras, Alain Resnais nasceu em Vannes, na Bretanha, em junho de 1922 (v. fontes bibliográficas). Projetou-se paralelamente à Nouvelle Vague, sem ter-se tornado um dos seus membros atuantes, talvez por não querer vincular-se a movimentos ou compromissos. Aficionado pelas histórias em quadrinhos e vidrado em cinema desde quando assistia a filmes com seu genitor, um farmacêutico entusiasta da 7ª Arte, Resnais rodou seu primeiro filme amador, ainda adolescente, com câmara de 8mm, mas só a partir dos 20 anos fez da realização de filmes sua ambição profissional.


Estudou arte teatral, literatura e filosofia (bastante influenciado pelo pensamento de Henri Bergson) e permaneceu um ano no Instituto de Altos Estudos Cinematográficos (IDHEC), de Paris, onde se distinguiu como jovem cineasta de apurado senso visual. Recrutado em 1945, serviu numa unidade de entretenimento de tropas aliadas na Alemanha e na Áustria. Desmobilizado em 1946, iniciou-se na feitura de curtas e médias-metragens, a maioria dos quais documentários silenciosos e, ocasionalmente, filmes dramáticos. Seus primeiros curtas foram mostrados na TV francesa, período formativo no qual trabalhava igualmente como operador e montador de outros diretores. Sua carreira de documentarista deslanchou em 1948, quando realizou um filme sobre Van Gogh em 35mm, do qual foi também montador e vencedor de um Oscar na categoria.


Politicamente, pertencia à esquerda democrática, mas não era homem de partido, sempre prezou sua independência. Afinal, não tinha pretensões nessa área, sua religião era o cinema e nele investiu tudo quanto pôde. Sua reputação como documentarista crescia a cada novo média-metragem, cabendo registrar alguns dos seus melhores trabalhos: “Guernica” (co-dirigido com Robert Hessens), “Gauguin” e “Les Statues Meurent Aussi” (co-direção com Chris Marker), todos de 1953, “Nuit et Brouillard” (Nacht und Nebel/Night and Fog) (1955), “Toute la Mémoire du Monde” (1956), “Le Mystère de l’Atelier 15” (co-direção com André Heinrich) (1957) e “Le Chant du Styrène” (1958). Ao todo, até 2007, Resnais realizou 28 curtas e médias metragens, com destaque para “Contre l’Oubli” (1991) e “Gershwin” (1992), episódios para filmes-mosaicos, e 20 longas.


Firmou ele sua reputação como documentarista de escol principalmente após “Noite e Nevoeiro”, incursão perturbadora, quase um filme de horror (e também aula de montagem e uso magistral de filtros na captação de tempos aterradores, iluminação a cargo de Ghislain Cloquet), no inferno dos campos de extermínio nazistas. Com este filme Resnais revelou sua preocupação com o mal inerente à natureza humana, com a injustiça do mundo, a matança de inocentes (daí o seu mal disfarçado agnosticismo), a impunidade e, acima de tudo, com o tema da memória, do tempo e do esquecimento.


O grande tema shakespeariano (o poder avassalador do Tempo) se insinua na cosmovisão de Resnais e também nos subtemas do bardo inglês (a inutilidade dos empreendimentos humanos, a transitoriedade das coisas, a fragilidade dos sentimentos, a irreversibilidade do passado, a impossibilidade de transmissão da experiência individual, a senectude - a morte em vida - e a inevitabilidade da morte). O pensamento de filósofos gregos da antiguidade (a certeza de tudo acabar-se e não deixarmos sequer vestígios de nossa passagem) também subjaz no conjunto da obra de Resnais. Desta resulta um expressivo estilo motovisual capaz de redimensionar o olhar perscrutador e investigador da câmara.


Ao seguir uma trilha filosófica de Bergson e outra literária de Proust, bem assim as reflexões de Bergman, o estilo de Resnais ganhou forma mais complexa e mais rica no seu primeiro longa-metragem de ficção, sua primeira revolução, “Hiroshima, Mon Amour” (1959), com roteiro original de Marguerite Duras, pelo qual o realizador fez jus a vários prêmios da crítica. Resnais rompeu com os conceitos convencionais do tempo narrativo e fundiu passado, presente e futuro num tempo único, introduzindo revolucionárias técnicas de retrospecto para conciliar a realidade com a memória e talvez com o processo onírico.


Em seu segundo filme-revolução, “Marienbad”, vencedor do Leão de Ouro em Veneza (1961), Resnais foi mais além e manipulou resultantes temporais multidirecionais num filme completamente sem enredo (no sentido convencional do termo, pois há sempre uma situação dramática anterior ou a evoluir ou um conflito a ser resolvido) e propositadamente ambíguo. Houve quem visse nessa perfeita simbiose entre o escritor Robbe-Grillet (depois também cineasta) e Resnais “a tentativa de criação da arte total, dela participando todas as outras artes”. A estrutura narrativa de “Marienbad” é a recriação subjetiva do espaço-tempo numa visão quádrupla (o é, o foi, o será e o poderia-ter-sido), ou seja, fatos vividos, sonhados, imaginados, conforme surgem na memória do protagonista ou nas suas reminiscências oníricas ou não, ou até mesmo nas da sua provável amante do ano passado...


Vieram em seguida “Muriel” (ou “Le Temps d’un Retour”) (1963), escrito por Jean Cayrol, outro complexo e competente exercício na exploração audiovisual da memória, louvado pela crítica mas de pouco êxito bilhetérico, e “La Guerre Est Finie” (1966), do romance de Jorge Semprun, com trama quase linear, mas superiormente dirigido no trato dos conflitos de um revolucionário antifranquista. O filme conquistou o Prêmio Louis Delluc e vários troféus especiais em festivais e desfrutou de sucesso comercial sem precedentes em muitos países. Para Judith Crist, prestigiada crítica americana, este foi o mais sofisticado trabalho de Resnais, ao aperfeiçoar sua técnica e tratar cinematicamente da inter-relação de tempo e espaço, pois jamais nos trouxe tal lirismo à dureza do quotidiano ou dera tal escopo à sondagem do interior do homem – tudo isso dentro da estrutura de um ‘thriller’ de suspense.


O fracasso financeiro de “Je t’Aime Je t’Aime” (1968) prejudicou a viabilidade das produções de Resnais por alguns anos, mas levou-o a dirigir “Stavisky” (1974), a biografia cinematográfica de um estelionatário francês, seu único filme nos moldes clássicos até então, mas com proficiente articulação dos ritmos externo e interno e condução do elenco de primeira à frente do qual pontificavam o versátil Jean-Paul Belmondo e o veterano Charles Boyer.


“Providence” (1976), o primeiro filme de Resnais em língua inglesa, refletiu sobre o processo criativo de um escritor vítima de câncer, enquanto agonizava em torno do seu próximo romance. Louvado como brilhantemente original, mas chamado de bizarro e criticado por outros (afinal o cinema não é ciência exata e todos têm suas preferências temáticas e/ou estilísticas e escolha pessoal de diretores), ganhou 7 César (o Oscar francês) e aclamação na Europa, embora não tenha sido bem recebido por críticos americanos.


Resnais prosseguiu ativo e dirigiu ainda “Mon Oncle d’ Amérique” (1980), “La Vie Est un Roman” (1983) e “L’Amour à Mort” (1984), todos escritos por Jean Grualt (cenarista de quem também se valeu Truffaut). Estes filmes formavam uma trilogia não-declarada, sumarizando algumas das preocupações filosóficas, estéticas e éticas de Resnais, abrangendo temas de ordem vária – do amor, do tédio existencial e de caráter metafísico. Seguiram-se-lhe “Mélo” (1986), “Quero Ir para Casa” (Je Veux Rentrer à la Maison) (1989), “Fumar, Não Fumar” (Smoking/No Smoking) (1993), filme curioso, vencedor de outro César; aos 75 anos dirigiu “Aquela Velha Canção” (On Connait la Chanson) (1997), êxito artístico e bilhetérico pelo qual recebeu vários troféus.


Impecável formalista, Resnais é provavelmente, junto com Truffaut, o mais importante diretor a emergir da safra francesa dos anos 50. Se pensava ou não como um “nouvelle vagueur”, pouco importa. Eis o fato relevante: embora se apoiasse na colaboração de outros escritores em todos os seus filmes (Marguerite Duras, Robbe-Grillet, entre outros, já citados), Resnais é considerado um “auteur” pelos críticos subscritores da teoria, devido à sua atuação como maestro de uma orquestra, à sua consistente adesão a temas de distinção e à técnica altamente pessoal desenvolvida para enfrentá-los.


Debilitou-se-lhe a saúde na fase final de sua carreira brilhante (asma crônica vinda da infância, problemas da idade com a visão e sua contratibilidade cardíaca), prejudicando-lhe a execução de alguns projetos importantes. Recuperado em boa parte dos seus problemas, dirigiu “Pas sur La Bouche” (2002) e “Petit Partagés” (2005), e ainda bastante lúcido aos 85 anos realizou “Medos Privados em Lugares Públicos” (Coeurs, 2007) com o qual ganhou o Prêmio de Melhor Direção no Festival Internacional de Veneza desse ano. Nesse filme, Resnais despreza a intriga, mas enfoca os encontros e desencontros entre os seis atores numa ciranda cinematográfica na qual separa criativamente os espaços com flocos de neve caindo ininterruptamente, pois o rigoroso inverno parisiense restringia a saída dos personagens. Um filme raro.


Este o rápido perfil de um cineasta já colocado com toda justiça no panteão dos grandes realizadores do século XX.


Fontes bibliográficas principais:
“Cadernos de Cinema” (vários autores), Publicações D. Quixote, Lisboa, 1960/68;
“Marienbad, Année Zéro”, de Andre Labarthe, “Cahiers du Cinema”, Paris, 1961;
“Tu nas Rien Vu à Hiroshima!” (Editions de l’ Institute de Sociologie, Bruxelas) 1962;
“Every Year in Marienbad”, de Jacques Brunius, “Sight & Sound”, Summer, 1962.
“Alain Resnais or the Theme of Time”, de John Ward, Secker & Warburg, Londres, 1968;
“Alain Resnais ou a Criação do Cinema”, de Bernard Pingaud e Pierre Samson, Ed. Documentos, 1969;
“Alain Resnais”, de Gaston Bounoure, Paris, 1971; e “The Film Encyclopedia”, de Fred Klein & R. Dean Nolen, Harper, NY, 1998;