sábado, 16 de janeiro de 2010

OS 10 MELHORES DE 2009

As melhores produções de 2009:

01. “OS FALSÁRIOS” (Die Fälscher/The Counterfeiters), Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, sobressai como co-produção austro-alemã dirigida pelo cineasta germânico Stefan Ruzowitzky. Tem como base episódio real da II Guerra, quando prisioneiros judeus liderados por um falsário conseguem sobreviver nos campos de extermínio (“campos de concentração” parecem mero eufemismo) falsificando libras esterlinas para provocar um desastre financeiro na Inglaterra. Filme antinazista, inclui na trilha musical tangos inspirados de Gardel, Manzi, Discépolo, além de fragmentos de Liszt e Strauss. Realismo fílmico com dilema moral mais provocativo em relação a “A Vida dos Outros”, de Florian von Donnersmark, marcado por interpretações convincentes e criatividade na edição da narrativa iniciada no fim da guerra (1945), com retrocesso dos eventos para Berlim (1936), daí para Mauthausen e logo para Sachenhausen (1942-44), O fim da guerra traz o falsário de volta ao cassino e belas imagens de outra manhã em frente ao mar, quando dançam os dois amantes, enquanto se ouve um tango clássico do “zorzal criollo”. Há cenas de impacto inesquecíveis como aquela na qual um oficial nazista urina na cabeça do mestre da falsificação ou mata friamente um jovem tuberculoso... O espaço jornalístico não permite distinguir ou comentar todas as concepções visualmente criativas de um diretor cinematográfico. Neste “Os Falsários”, basta registrar as cenas de abertura com as imagens-movimento captando o Sr. Solomon (Karl Markovics) sentado frente ao mar, depois sua caminhada seguida por vários ângulos de câmara até a entrada no cassino de Monte Carlo, o encontro com uma mariposa de luxo, devidamente pago, e depois com uma mulher em luta para obter um passaporte argentino, naturalmente falso. Aí o ápice: enquanto o judeu Solomon dança com ela em seu endereço, encadeiam-se dois planos de uma mesma cena, o chamado “raccord”, primor de síntese: vê-se o par dançarino e a feitura do passaporte, o retrato da mulher e o carimbo, uma ligação, uma continuidade entre duas coisas ao mesmo tempo só vista na arte fílmica, pois não podemos dançar enquanto falsificamos documentos. Markovics, o falsário, um ator consumado; Ruzowitsky, um senhor “metteur-en-scène”.


02. “OPERAÇÃO VALQUÍRIA” (Operation Valkyrie / Operation Walküre). Co-produção teuto-americana com direção de Bryan Singer e mais rica em detalhes relativos aos bastidores da conspiração, se comparados ao filme homônimo de Jo Baier, todo falado em alemão. Ambos são de primeira linha e bem mereceram o destaque dado pela crítica. Nível ótimo de interpretação com um Tom Cruise tão bom quanto o Sebastian Koch da versão anterior. Não lhes ficam atrás os coadjuvantes vividos por Kenneth Branagh, Bill Nighy, Tom Wilkinson, Terence Stamp, Thomas Kretschmann e Clarice Van Houten. Newton Sigel trabalhou bem a movimentação após o atentado e as filmagens dos trimotores Fockwulf na saída e na chegada a um aeroporto praticamente vazio. Singer não esqueceu os “raccords”, mormente quando o ajudante-de-ordens de Stauffenberg joga fora do carro parte dos fusíveis comprometedores e o gesto volta para ele. A fracassada tentativa de eliminar Hitler em Rastenburg, em julho de 1944, foi mais uma prova da estranha rede de acasos ocorrentes na vida de todo dia e da qual só se beneficiou o ditador semilouco e sanguinário. De fato, se das dezenas de atentados contra Hitler um pelo menos desse certo, milhões de europeus, judeus e não-judeus, não teriam perecido. Nem teriam morrido de forma repugnante, enforcados com cordas finas e pendurados em ganchos de açougue, cerca de 5.000 pessoas envolvidas direta ou indiretamente no complô. Tristes tempos...


03. ’’TRAMA INTERNACIONAL’’ (International), outra co-produção EUA-Alemanha sob comando de Tom Tykwer, cineastra alemão de primeira categoria, diretor de “Corra Lola, Corra” e de “Inverno Quente” (Wintersleepers), uma das mais instigantes representações da trama de acasos no dia-a-dia dos seres humanos. Clive Owen e Naomi Watts têm desempenho à altura, ele bem mais solicitado, enquanto o veterano Armim Mueller-Stahl lidera os coadjuvantes com Brian F.O’Byrne à frente. Roteiro de Eric Warren Singer, fotografia invulgar de Frank Griebe, notadamente nas imagens obtidas nas ruas movimentadas ou fora dos estúdios, quando ocorrem crimes de encomendas, perseguições, colisões de veículos e a trucagem do tiroteio dentro do Museu Guggenheim na 5ª Avenida, em plena Nova Iorque... Cinema de alta voltagem, sem duvida, e até o desfecho em prédio remoto à luz do dia, numa passagem no alto de um elevado urbano.


04. “O GRUPO BAADER-MEINHOFF” (Der Baader Meinhoff), de Ulrich Edel, também renomado cineasta germânico de “Eu, Christianne F, Drogada e Prostituída”, “Noites Violentas do Brooklyn”, “Corpo em Evidência”, “Boenhoeffer & Canaris” e “Rasputin”, entre outros. Hoje, praticamente radicado nos EUA, Edel tem contribuído com sua experiência européia para a formação de novos cineastas. “O Grupo Baader-Meinhoff”, indicado para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, é um primoroso semidocumentário ou docudrama no qual se reconstrói, na Alemanha dos anos 60, a atuação de um grupo rebelde e radical, responsável por atentados, seqüestros e ações deletérias contra o Estado Alemão. Roteiro do próprio Edel com ponto de apoio no livro “Der Baader-Meinhoff Complex”, de Stefan Aust. Apesar dos 150min de projeção, Edel consegue manter o ritmo consentâneo com as ações e o interesse dos cinéfilos até o final.


05. “O MENINO DO PIJAMA LISTRADO” (The Boy in the Striped Pyjamas), de Mark Herman. Outra realização antinazista no qual o ator-roteirista e diretor britânico David Hayman (de “The Near Room”, exibido em Fortaleza por ocasião do Cine Ceará como filme “hors concours”) faz o papel de um medico judeu reduzido a mero copeiro na casa do comandante nazista da região. Não admira ver o nome de Hayman na ficha técnica como um dos assistentes de Herman, em razão de sua competência técnica (recorde-se quando a câmara em movimento capta, do plano-ponto-de-vista-subjetivo do garoto, sua saída da cidade para seu novo endereço no campo) e por saber como valorizar o poder das imagens. Estas, como sabemos, falam e valem por si sós e não como pensou nosso presidente, quando se referiu às imagens de corrupção do governador de Brasília. Em “O Menino…”, as imagens-rosto também dizem muito, não só na máscara fisionômica da mulher do comandante nazista ou na deste, quando se sente pressionado. Igualmente, no crescendo dos encontros dos dois garotos, um fora e outro dentro dos muros com seu pijama listrado. É um mal disfarçado campo de extermínio, mas a fumaça saindo das chaminés dos fornos crematórios, bárbaro sorvedouro de tantas vidas neste nosso mundo à deriva, dispensa quaisquer palavras ou explicações.


06. “A TROCA” (Changeling), de Clint Eastwood. Quase um documentário baseado em acontecimentos reais e nas reportagens dos jornais e dos noticiarios dos anos 30 nos EUA. O filme de Eastwood nos transporta com verismo e proficiência para o drama de uma mãe cujo filho garoto desapareceu. A denúncia do poder de policia, da mentira, da omissão de uns e da corrupção de outros, de interesses pessoais ou políticos, todos eles subalternos e mesquinhos, tem grande impacto no enfoque dado pelo diretor e seu roteirista, J. Michael Straczynski, mormente quando se revela a verdade absurda: as mortes das crianças raptadas por tarados ou psicopatas, tantos existem em nosso mundo cão. Eastwood impressionou-se com o caso, estudou-o a fundo e utilizou-se até de réplicas dos carros da época para dar maior consistência à tragédia vivida pela atriz Angelina Jolie em atuação marcante como a mãe desesperada. John Malkovich atua como agente catalisador, enquanto as cenas do eletrochoque contribuem para calar vozes incômodas e para a recriação de uma ambiência sinistra dentro e fora da cidade, assim como a de uma época. Tudo isso e algo mais subjacente na interação dos planos vêm mais uma vez confirmar Eastwood como um dos grandes realizadores do cinema americano. A fotografia em tons escuros de Tom Stern concorre para enriquecer o filme no qual todos os atores se comportam como se estivessem na LA de 1928.


07. “O LEITOR” (The Reader), do cineasta inglês Stephen Daldry (recorde-se seu “As Horas”), concentra-se no drama de uma ex-agente da SS (sigla sinistra da organização oficial criminosa responsável pelos campos de extermínio nazistas) levada a julgamento duas décadas depois da II Guerra sob acusação de ter permitido a morte de 300 prisioneiras. Estas poderiam ter sido salvas, mas a ré nada fez “porque estava cumprindo ordens”... Num diálogo com o promotor, ela lhe pergunta: “O que o senhor faria em meu lugar, se estivesse lá?” Para a maioria dos críticos, a realização falha por não responder a essa questão ou não aprofundar o problema da culpa, mais afinal “eu sou eu e minhas circunstâncias”, como pregava Ortega Y Gasset. Mas a omissão não invalida as qualidades fílmicas do trabalho de Daldry e sua equipe técnica por trás das câmaras. Kate Winslet é uma intérprete de mão cheia. Sua atuação como amante de um jovem anos antes, mormente nas cenas de intimidade sexual, e depois quando já mais madura é acusada, merece todos os encômios e a coloca no patamar das grandes atrizes do cinema. No epílogo, Daldry põe em cena uma vítima do Holocausto para lembrar o óbvio: nada pode reparar as responsabilidades pela omissão injustificável em face de mortes covardes, muitas delas bárbaras, abomináveis e naturalmente injustificáveis. Seus responsáveis parecem justificar a tese de Millor Fernandes, em sua “Bíblia do Caos”, segundo a qual o ser humano é inviável.


08. “DÚVIDA” (Doubt), de John Patrick Shanley, autor do roteiro baseado em peça teatral dele mesmo, é sem favor nenhum um dos melhores do ano, até mesmo porque faz questão de deixar a dúvida até o final. O cineasta enfrenta com habilidade o desafio e não deixa o filme se transformar em teatro filmado. Daí os movimentos de câmara, o corte preciso, o registro das distâncias entre os personagens envolvidos e o aprumo com as imagens-rosto e as imagens-significantes das quais falava Truffaut. Igualmente, os duelos verbais entre a freira diretora (Meryl Street), provavelmente uma mulher frustrada sexualmente, segundo alguns críticos, e o padre vivido magistralmente por Phillip Seymour Hoffman são ricos de significado e alimentam o filme, assim como os da mãe do garoto em dúvida (?) sobre o acontecido com o filho. A edição precisa de Shanley em sua estréia e o “timing” de permanência das imagens nos enquadres enriquecem o texto.


09.”O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON” (The Curious Case of Benjamin Button) representa de certa forma a maturidade técnico-artística de David Fincher (1962- ), iniciada a partir de “Os 7 Pecados Capitais” (Seven), “Vidas em Jogo” (The Game), “Clube da Luta” (Fight Club) e “O Quarto do Pânico” (Panic Room), para só ficarmos nestes títulos. “Benjamin Button” é outro salto qualitativo em sua carreira, considerando-se o plano da fantasia ou do insólito no qual se situa o filme baseado no conto de F.Scott Fitzgerald (de quem Ernest Hermingway tinha inveja) do qual emerge uma aberração: o personagem nasce velho e vai rejuvenescendo até o desfecho surpreendente. Um tanto longo na sua recriação histórica da própria América e de lugares como a índia misteriosa, não fariam falta alguns minutos a menos. Ótimas atuações de Brad Pitt (longe de Tarantino), Cate Blanchett e Julia Ormond e dos coadjuvantes. Palmas para os maquiadores.


10. “ABRAÇOS PARTIDOS” (Los Abrazos Rotos), de Pedro Almodóvar, já foi criticado por gregos e troianos. Algumas opiniões foram impiedosas, outras nem tanto, apenas porque esperavam algo mais do inquieto cineasta espanhol de “Volver”, ou porque encontraram alguns méritos em partes componentes do conjunto, sobretudo pela sua incursão no complicado processo de fazer um filme dentro de um filme. Difícil? Nem tanto. Em entrevista recente, diz ele ter construído com este “Abraços Partidos” a metáfora de uma sociedade cuja memória histórica se perdeu. Daí a criação do personagem Mateo (interpretado pelo veterano Lluís Homar), ontem cineasta e hoje roteirista, porque ficou cego num desastre e perdeu para sempre sua amante (Penélope Cruz), “mas enterrou seu passado e reiniciou sua vida a partir do esquecimento”. Tal como Mateo, prossegue Almodóvar, os espanhóis ficaram cegos em relação ao passado para construir um futuro fraterno. “Foi preciso esquecer as diferenças; aos poucos o personagem central é obrigado a considerar tudo quanto ficou incompleto. Esta segunda transição, a qual estamos vivendo dolorosamente, é que eu quis simbolizar no filme”. Revendo essas afirmativas e a realização como um todo, pode-se nela encontrar méritos como cinema, a paixão maior de Almodóvar (recorde-se como o diretor chega a fazer referências a filmes clássicos modernos como “Viagem à Itália”, de Roberto Rossellini, e “Ascensor para o Cadafalso”, do mestre Louis Malle de “30 Anos Esta Noite” e outros acertos. Por tudo isso, e pelo ritmo com o qual faz crescer a tensão nas idas e vindas dos personagens, decidimos incluir “Abraços Partidos” entre os melhores do ano.