quarta-feira, 8 de abril de 2009

STANLEY KUBRICK E UMA SENTIDA AUSÊNCIA



Prestamos hoje nossa segunda homenagem póstuma (a primeira foi há cinco anos no jornal Diário do Nordeste) a um dos realizadores mais importantes da história da arte cinematográfica, com seu legado de 13 filmes em 46 anos (1953-1999) de um profissionalismo de escol.

Há dez anos e alguns dias, em março de 1999, Stanley Kubrick se recolheu às 21h, contrariando seus hábitos noturnos e não mais acordou. Morte tranqüila, a julgar pela expressão do seu rosto na manhã seguinte, sem nenhum ricto de agonia ou dor, segundo médicos admiradores do cineasta. Perda incompreensível, disse sua mulher, a pintora alemã Susanne Christian. “Marido e pai exemplar e um amigo de bem com todos”. Aos 70 anos, gozando boa saúde, Stan estava apenas estressado com todos os problemas de finalização do seu último filme, “De Olhos Bem Fechados” (Eyes Wide Shut), pois sempre atuou ao lado do seu montador-chefe.

Segundo alguns íntimos, Kubrick ainda queria cortar uns dez ou doze minutos do total de 158min da película, cenas relativas à visita à morgue pelo médico vivido por Tom Cruise e ao reencontro dele com a prostituta no apartamento dela. Stan, como era conhecido na intimidade, considerava esses minutos supérfluos. Mas tão logo soube do falecimento do excepcional realizador, a Warner Bros. lançou o filme em sua versão integral e Kubrick deve ter tremido de raiva no túmulo... Como bem lembrou Angie Errigo em seu “Opens” de 10 set 1999, “De Olhos Bem Fechados” foi pouco entendido pelo grande público porque este esperava, devido à apressada e equivocada publicidade da WB, cenas de sexo e a nudez frontal de Nicole Kidman, então Mrs. Cruise... Para Errigo, “Eyes Wide Shut” é um filme inegavelmente kubrickiano - intelectualmente atento, refinadamente executado, superiormente dirigido e continuamente intrigante.

Alguns conceitos

Já o crítico Peter Kenny do “The Guardian” considera o filme uma extraordinária obra-mestra da qual não se deve amputar nada. Dale Bailey, no suplemento do LA News, põe o filme nos cornos da lua e destaca a recriação, a distância, de uma Nova Iorque parcialmente iluminada (Kubrick rodou todo o filme na Inglaterra, onde morava desde seu confronto com a censura vesga em 1962 devido a “Lolita”), enquanto se ouvem os toques sincopados do piano de Gyorgy Ligeti. Bob Warren louva todo o filme, mormente as cenas insólitas das orgias noturnas com actantes de máscaras paravenezianas, um primor de edição.

Meticuloso, perfeccionista, de olho vivo no detalhe relevante, Kubrick era “connaisseur” da técnica e da linguagem de cinema como nenhum outro cineasta, faceta reconhecida por diretores, técnicos e filmólogos e por todos quantos com ele privavam. Enquanto Welles, outro dos imortais, tinha seu forte na exuberância e grandiloqüência da criatividade em relação às potencialidades do veículo fílmico, Kubrick tinha o domínio técnico em todos os aspectos da filmagem, até mesmo no tocante às lentes, iluminação e desmonte das objetivas de 70mm e às câmaras de mão e até da “steadicam” criada por Garret Brown em face das reiteradas sugestões do próprio cineasta.

Kubrick conhecia a fundo a decupagem e sabia como conduzir com perfeição o ritmo cinematográfico, os cortes precisos, como escreveu o biógrafo Vincent Lobrutto. James B. Harris, co-produtor de alguns de seus filmes, era seu fã incondicional; Walter Hugo Khoury o tinha na mais alta conta; François Truffaut admirava-o. Para Carol Reed dificilmente surgirão outros iguais a Welles ou Kubrick. Para o amigo e cineasta Alexander Singer, “Stan deixou-nos lições inesquecíveis de cinema magistral”. Aliás, foi Singer quem lhe ensinou os rudimentos de cinema, quando Kubrick tinha 18 anos, enquanto este ensinou a Singer como conhecer os segredos da fotografia...

Realidades incognoscíveis

Agnóstico desde os tempos da High School, Kubrick enfrentou numa entrevista feita em 1968 um jornalista do New York Times. “Qual o significado oculto de ‘2001, Odisséia no Espaço?’”, perguntou-lhe o entrevistador: “A busca de Deus, de outros mundos, dos mistérios do cosmo, o desejo de perscrutar o enigma da criação do universo...” “E o senhor acredita em Deus?”, respondeu-lhe Kubrick: “No Deus antropomórfico não”. “E no Deus não-antropomórfico?” “Esse me apavora como o silêncio eterno dos espaços infinitos dos quais falava Pascal; será Deus um supercomputador? o próprio universo que sempre existiu e não pode ser criado? Se o foi, seu criador precisava criar primeiro o espaço e o tempo antes de criar a ele mesmo... Não acha? Chegamos a um impasse. Mais alguma pergunta?” A entrevista terminou aí...

Ainda sobre “2001”

Stanley Kubrick se projetou como diretor de primeira linha devido a filmes como “O Grande Golpe”, “Glória Feita de Sangue”, “Spartacus” e “Lolita”, mas só se tornou conhecido dos amantes de cinema de toda parte após a exibição de “2001 - Uma Odisséia no Espaço”, filme ao qual ninguém pode ficar indiferente: revolução no cinema como forma de cultura, teoria do conhecimento. “Obra genial”, diria depois Woody Allen, admirador incondicional do filme.

Realmente, como escreveu José Lino Grunewald, “Tudo em 2001 é precisão e cuidado nos menores detalhes, desde o aparato, a arquitetura dos ‘sets’ e as vestimentas dos seres em situação extrema - tecnicamente nenhum filme o iguala em função do espetáculo estético”. “2001”, esclareça-se, leva a assinatura de um digno representante da elite intelectual do leste americano, conforme palavras de Román Gubern, pois o filme iria dar um novo passo ao debruçar-se sobre o problema do futuro da humanidade através da sua peça magistral de ficção científica. Estamos sós no universo? Ou apenas habitamos um planeta insignificante a girar em torno de um sol de quinta grandeza, enquanto noutras galáxias distantes anos-luz há milhões de mundos habitados por inteligências superiores ou inferiores, mas com as quais jamais entraremos em contacto, e nossa angústia continuará a mesma, quer estejamos sós ou cercados por mundos habitados. Estamos presos neste universo infinito ou haverá outros universos? Onde estará Deus?

“Kubrick provê o espetáculo com o equivalente mais próximo da experiência psicodélica”, afirmaria o crítico da “Time” à época de suas primeiras exibições. Não admira, pois, o impacto causado nas platéias do mundo pelo 9° filme de SK. “Diga-me, por favor, quem é Kubrick” foi o título de matéria da revista “Look” sobre o realizador de “Paths of Glory” e de “2001”. Apesar de tantos livros sobre SK e seus filmes e da alentada biografia de Vincent Lobrutto, poucos ajudam a explicar a gênese de sua genialidade.

O discente entediado

Aluno irregular, o pequeno Stan faltava geralmente às aulas no secundário, não se destacava (embora com QI muito acima da média), nenhuma matéria lhe interessava. O pai, médico de certo renome, homem inteligente, preocupava-se com o fraco desempenho do filho na escola. Dizia-lhe: “Stan, para triunfar na vida é preciso primeiro saber. Para saber é preciso ler, reler, buscar as fontes do conhecimento”. Procurou daí em diante incutir-lhe o hábito da leitura, “para você não ficar para trás”. Ensinou-lhe o xadrez e aproveitou o ensejo da vitória de Capablanca, ex-campeão mundial, na Olimpíada de Buenos Aires de 1939, para mostrar ao garoto como o xadrez representa ordem, lógica, perseverança e autodisciplina. O menino se motivou porque o jogo abarcava o seu fascínio pela guerra e as ações militares. Começou a estudar Napoleão, leu dezenas de livros sobre o grande militar.

Uma Graflex de presente

Enquanto isso, ia passando de ano até conseguir graduar-se, pois outros interesses havia lá fora e não no colégio. Aulas monótonas, livros chatos, matérias das quais jamais precisará na vida prática, dados históricos irrelevantes, deveres-de-casa quase sem sentido... Estudava xadrez e foi ficando cada vez mais forte. Chegou depois a ter força de mestre estadual e a ganhar dinheiro com disputas rápidas no Central Park. Faltava aulas insossas, mas freqüentava assiduamente os cinemas e fazia anotações essenciais sobre cada filme. Adquiriu alguns livros sobre a 7ª Arte, estudava-os com interesse.

O Dr. Kubrick decidiu mandar o filho para uma temporada de estudos na Califórnia junto aos tios Martin e Marion, de outubro de 1940 à primavera de 1941. No retorno, o pai lhe presenteou com uma Graflex, câmara de alta velocidade, com lente irregular reflexa, a primeira ser usada por jornalistas, portátil, com obturador de plano focal, podendo congelar a ação de movimento rápido. Essa Graflex, como se vê, não era um brinquedo de criança e sim um convite para o operador entrar no mundo das imagens e reproduzi-las bem. O menino se entusiasmou, pois fotografar se tornara um “hobby” bem comum à época. Todos queriam bater retratos de alguém, fotografar as charretes do Central Park, o rio Hudson, as pontes ligando Manhattan ao continente. O pai lhe ensinou a manejar bem a máquina, compra-lhe rolos de filmes e com o interesse despertado lhe dá depois um minilaboratório e material químico e papel especial para revelação. O Dr. Kubrick insiste na leitura, põe a biblioteca à disposição do adolescente. O hábito de ler e perscrutar as coisas vai acompanhar o jovem Kubrick por toda a vida.




SK começa então a trabalhar com o veterano fotojornalista Arthur Felling e aprender todos os segredos das câmaras fotográficas - emulsão, exposição, granulação, produtos químicos, etc. Tornou-se um fotógrafo amador de primeira e começa a freqüentar as aulas da Art Students League e estudar pintura com a Profª Ann Goldthwaite. Tornou-se também membro do Photo Club da Taft High School e depois percussionista da mesma escola. Quando se concentrava, tocava muito bem, mas duma feita chegou com uma câmara de 35mm em volta do pescoço, algo incomum naqueles tempos. SK estava longe; a fotografia era a sua paixão consumidora. As sementes da arte começavam a crescer dentro do jovem Kubrick...

Fotógrafo profissional

De fotografia já sabia tudo, daí o motivo pelo qual, já de posse de uma câmara profissional, foi procurar a revista “Look” para empregar-se. Em lá chegando, ouviu do gerente a indagação: “E você sabe fotografar?” “Sei bem”, respondeu. “Estas fotos são suas?”, indagou o gerente quando ele lhe mostrou algumas delas e estudos em p& b. “Foi v. mesmo quem fez estas fotos?” “Foi, quem poderia ter sido?” O homem olhou-o, pensou e disse: “Está empregado”. E lá ficou SK uns quatro anos, dos 17 aos 21... Fez fotos antológicas como “O Pugilista” (1949), mostrando Walter Cartier na tensão da espera do início da luta e uma outra captando o próprio combate entre os dois “boxeurs”.

Sua foto do dia da morte de Roosevelt, mostrando a tristeza estampada no rosto de um jornaleiro, teve grande repercussão. Duma feita a “Look” lhe deu a capa da revista para a foto de um garoto tomando uma ducha em verão senegalesco (05 ago 1947). Esta revista chegou as mãos deste redator naquele mesmo mês, adquirida pelo Dr. Miranda Leão no velho Edésio da Rua Guilherme Rocha. O nome do fotógrafo aparecia na capa. Nunca conseguimos esquecer o nome STAN KUBRICK.

Cinéfilo e piloto

Habitué de filmes, SK via e revia tudo quanto era exibido nos circuitos da Broadway. Duma feita, disse numa entrevista: “Uma das coisas que mais me deram confiança para tentar fazer um filme foi ver todos estes maus filmes. Porque ficava ali sentado e pensava: Bem, ainda não sei nada de filmes mas sei que consigo fazer algo melhor que aquilo”. Conhecemos hoje as duas forças motivadoras da ida de SK para o cinema: seu amor pelas imagens em movimento e pelo seu trabalho como profissional de imagens paradas. Faltava a gota d´água para levá-lo até lá. E lá vem o acaso favorável: sua amizade com Alexander Singer (1932-), bom diretor de dramas para a TV e depois de filmes de ficção da categoria de “Rajadas da Paixão” (A Cold Wind in August, 1961) e “Cega de Amor” (Physche 59, 1954). Singer tinha formação mais cinematográfica e menos fotográfica, exatamente o contrário de SK. O encontro dos dois foi frutífero para ambos.

Para concluir esta minibiofilmografia, uma informação pouco conhecida: Kubrick fez curso de pilotagem de 150h e ganhou o seu brevet pela “Federal Aviation Administration” em 15 ago 47, aos 19 anos. Era um bom piloto até ocorrer um caso desfavorável: uma pane imprevista derrubou o monomotor. Kubrick escapou ileso (mas viu a morte de perto) e desistiu desse “hobby”. Atribui-se a essa quase tragédia o seu medo de avião; daí em diante sua preferência é por trens e navios.

Filmografia e prêmios

Os filmes de Kubrick são todos conhecidos dos cinéfilos e admiradores: “Medo e Desejo” (Fear and Desire) (1953) retirado pelo diretor por considerá-lo amadorístico), “A Morte Passou por Perto” (Killer’s Kiss) (1955), “O Grande Golpe” (The Killing) (1956), “Glória Feita de Sangue” (Paths of Glory) (1957), “Spartacus”, (1960), “Lolita” (1962), “Dr. Fantástico” (Dr. Strangelove) (1964), “2001, A Space Odyssey” (1968), “Laranja Mecânica” (A Clockwork Orange) (1971), “Barry Lyndon” (1975), “O Iluminado” (The Shining) (1980), “Nascido para Matar” (Full Metal Jacket) (1987) e “De Olhos Bem Fechados “(Eyes Wide Shut) (1999). Excluímos os curtas e médias-metragens, alguns deles interessantes e louvados nos cineclubes nova-iorquinos pela sua objetividade.

Pelo conjunto de sua obra, SK ganhou troféus importantes na França, Itália, Alemanha, Inglaterra, Suécia, Espanha, EUA, prêmios da Associação de Críticos de Nova Iorque, o “Griffith Award for Lifetime Achievenent”, o Prêmio Luchino Visconti, recebido em 1998 pela sua contribuição ao cinema durante a cerimônia de entrega dos Prêmios David Donatello e o Oscar pelos efeitos especiais em “2001”, SK nunca fez jus a um Oscar como diretor, se bem merecesse vários. Como bem disse um crítico, SK jamais estendeu tapete para ninguém nem se curvou a exigências descabidas de produtores incompetentes ou desonestos. Por isso, tal como o rebelde Orson Welles, jamais ganhou um Oscar. E daí?

A rigor, não estamos há 10 anos sem Kubrick - pelo menos 12 de seus longas metragens, de “A Morte Passou por Perto” a “De Olhos Bem Fechados”, estão aí em DVD. Temos todos eles e não nos cansamos de vê-los, revê-los e estudá-los. Não há filme esquecível ou desprezível com a assinatura de Kubrick. Só lamentamos não dispor até agora dos curtas e médias-metragens e desse experimento amadorístico (?) “Fear and Desire” elogiado por quem pôde assistir a ele.

Esta é a segunda vez na qual prestamos homenagem póstuma a Stanley Kubrick e a terceira na qual analisamos de forma sumária, concomitante à sua rica filmografia, o preito concedido a ele por cineclubistas de Nova Iorque. Fizemo-las não só para orientar os novos cinéfilos porventura interessados em conhecer um pouco mais o grande cineasta, mas também os admiradores de quem nos deixa, além de suas realizações, uma imorredoura saudade.

Opiniões

“Um grande entre os grandes - assim era Stanley Kubrick. Uma prova do seu imenso talento - senão de sua genialidade - era a admiração que despertava entre os colegas de ofício. Para Roman Polanski, Kubrick era simplesmente o maior cineasta em atividade. Martin Scorsese invejava sua criatividade no campo da técnica e a soberania com a qual explorava ‘o território da complexidade da psique humana’. Entre os grandes do cinema só Godard o desprezava, talvez por que a arte de Kubrick, por mais inteligente e sutil que seja sua construção, aponte sempre para o espetáculo, o prazer da imagem, o envolvimento sensorial da platéia. Algo imperdoável aos olhos calvinistas de Godard”.
José Geraldo Couto. (“Folha de São Paulo, 08 mar 99)

“Um dos maiores diretores cinematográficos com quem trabalhei. Parecia senhor de todos os setores, do enquadramento de um personagem às composições grupais, das lentes à luz, do plano ao ângulo e deste ao corte, do ritmo à concepção visual do conjunto. Em matéria de direção de atores, embora bastante exigente, achava-o incomparável.”
Brian Cook (diretor assistente em “Barry Lyndon” e “O Iluminado”,
entrevista à imprensa britânica, mar 99)

“Era um dos poucos cineastas que conseguiram um pacto entre a qualidade artística e a linguagem industrial do cinema ‘mainstream’. Esse talento é raro e Kubrick, com ele, percorreu um leque muito diverso, de filmes históricos ao de terror, passando pela ficção científica e filmes antiguerra”.
Arnaldo Jabor (FSP, 08 mar 99)

“Kubrick, o perfeccionista, que quase enlouquecia seus colaboradores, foi realmente um daqueles diretores que fizeram avançar o cinema. Era um gênio a quem devemos alguns dos mais belos momentos dessa arte centenária chamada cinema”.
Luiz Carlos Merten (Internet, 02 set 2003)

“Cada dia no qual Kubrick não está fazendo um filme - é uma perda para todos”.
Sidney Lumet (apud biografia de V. Lobrutto, 1997, p. 495)

“Acho que o último filme de Kubrick, ‘Eyes Wide Shut’, sintetiza para onde o cinema deve ir: ele tem uma dignidade que vai contra toda a produção do ‘mainstream’. O século perdeu um dos seus maiores cineastas e pensadores.”
Emir Kusturica (entrevista à imprensa, -
56ª Monstra Internacional de Veneza, set 1999)

“É um dos poucos caras que deixaram uma marca pessoal na indústria norte-americana. Kubrick estava sempre empurrando o cinema para frente. Um dos cineastas mais técnicos de todos os tempos, ele usava toda tecnologia disponível em função da narrativa. A história sempre ficava em primeiro plano”.
Helvécio Ratton (FSP, 08 mar 99)

“Stanley Kubrick me surpreende como um gigante do cinema”.
Orson Welles (apud biografia de V. Lobrutto, 1997)

“Kubrick foi um fazedor de história do cinema. ‘Laranja Mecânica’ marcou demais minha juventude. Ele sabia retratar a violência de uma forma muito mais intensa e psicológica do que os filmes de hoje”.

Mara Mourão (FSP, 08 mar 99)

Kubrick é capaz de montar e desmontar qualquer tipo de câmara, de operá-las, modificá-las para melhor ou adaptá-las a outros tipos de lentes. Parece conhecer o local de cada parafuso, o sistema nervoso de qualquer equipamento cinematográfico e de dar lições, se preciso for, a qualquer cinegrafista até mesmo no tocante à colocação das fontes de luz. Não esquecer o prodígio que foi o de conseguir objetivas de satélite e acoplá-las a uma câmara Mitchell para filmar cenas de ‘Barry Lyndon’ à luz de velas. Às vezes penso se ele não entende mais de fotografia do que eu.”

John Alcott (“cinematographer” de “Laranja Mecânica”, “O Iluminado” e
“Barry Lyndon”, entrevista à TV de Studio City, Cal., 1985).

“É o cineasta que mais admiro. Nunca faz o mesmo filme e sempre produz o melhor possível.”
Andrucha Washington (diretor de “Eu Tu Eles”, entrevista, 1999)

“Compreender a colaboração entre um diretor e aqueles que com ele trabalham é uma noção misteriosa freqüentemente obscurecida pelas percepções do diretor como ‘auteur’, mas uma das verdadeiras áreas do gênio de Kubrick como diretor cinematográfico era trabalhar com mestres da fotografia como John Alcott”.
Vincent Lobrutto (in “SK, a Biography, p. 453, 1997)

“Morre o ultimo exemplar de independência absoluta dentro do cinema. Quando se chega a esse estágio, o cineasta pára de ser apenas um diretor de filmes para ser um demiurgo, o homem que intervém, positivamente ou não, na própria história.”
Carlos Reichenbach (FSP, 08 mar 99)

“Um dos mais brilhantes cineastas americanos. ‘Nascido para Matar’ é como um soco no estômago, inexcedível, irretocável.”
Federico Fellini (entrevista à TV italiana, set 1988)

“Eu o acompanhava desde adolescente. Seu primeiro sucesso, ‘O Grande Golpe’, sempre foi um filme de cabeceira para mim. É, talvez, o melhor filme americano de gângsteres. Feito com orçamento pequeno, instituiu um cinema moderno, todo construído com recursos temporais.”
Rogério Sganzerla (FSP, 08 mar 99)


“Kubrick foi um dos homens mais inteligentes que conheci. Parecia saber tudo de tudo e sua percepção era aguda, sua visão cosmológica profunda, seu agnosticismo perturbador. ‘Trabalhei meses a fio com ele, foi como se eu fizesse um mestrado em cinema, arte, literatura e metafísica.”
Arthur C. Clarke (autor de “The Sentinel” / “2001”, entrevista à TV londrina, 1970)


“Sua perda é lamentável. Stanley Kubrick foi um homem que soube transformar em arte os grandes temores da humanidade e instigou gerações com questões sobre o futuro em 2001, um futuro que infelizmente ele não vai presenciar.”
Alzira Espíndola (FSP, 08 mar 99)
“’Laranja Mecânica’ é um dos meus filmes preferidos. Estive inclinado a não apreciá-lo, mas, depois de assistir a ele, apercebi-me de ser o único filme capaz de representar verdadeiramente o caótico e imprevisível mundo contemporâneo.”
Luis Buñuel (apud “Stanley Kubrick”, de Paul Duncan, ed. Taschen, 2003)

“Poucos cineastas conheciam tanto a arte cinematográfica quanto Stanley Kubrick. Uma perda irreparável para o cinema. Numa época cheguei a considerá-lo o cineasta dos cineastas.”
John Frankenheimer (apud “LA Times”, 1999)

“Stanley é invulgarmente perceptivo e delicadamente atento às pessoas. É um pensador hábil e criativo.”
Paul Duncan (“SK”, ed. Taschen, 2003)

“Stanley Kubrick é um dos nomes mais importantes do cinema deste século. Lamentei não ter podido dizer-lhe isto pessoalmente, quando estive na Inglaterra filmando ‘Fahrenheit 451’”.

François Truffaut (entrevista à TV francesa, 1969).

“A morte de Kubrick deixa-nos órfãos de sua alta hierarquia cinematográfica. Ele sai de cena quando ainda se poderia esperar muito dele.”
Alain Resnais (in debate na TV francesa, mar 1999)

“Kubrick é capaz de me fazer crer no que vejo, não importa quão fantástico seja. Penso nele como um grande diretor, um artista que é ao mesmo tempo visionário e honesto. Admiro-o especialmente pela sua habilidade em fazer filmes em qualquer tempo.”
Federico Fellini (entrevista a Charlotte Chandler
apud V. Lobrutto, “SK, a Biography”, 1997).

“Demiurgo, visionário, gênio... Os analistas não se mostram avaros de hipérboles quando se trata de Kubrick, como se vissem nele um novo Pai do Logos, um criador de mundos. Só Orson Welles, em passado recente, beneficiou-se de tal unanimidade no superlativo. SK deixou sua marca no planeta, como a de um selo em cera mole.”
Pierre Giuliani (in “Stanley, Kubrick”, ed. Livros Horizontes, Lisboa, 1992).

“Dos cineastes americanos dos últimos 30 anos, Kubrick é quem mais me chama atenção. Além de qualidades técnicas irretocáveis, seus filmes revelam aguda percepção do poder das imagens e rara compreensão do que seja o ritmo cinematográfico.”
Claude Sautet (entrevista transcrita no ‘Daily Telegraphy’, 1987).

“Tive dúvidas da sua competência quando o vi na direção de ‘Spartacus’. Aqui e ali nos desentendíamos, mas à medida que o tempo foi passando me convenci de estar diante de um diretor da maior envergadura. Jamais pensei que ainda iria aprender alguma coisa em matéria de cinema. Foi um aprendizado trabalhar com ele e ouvi-lo. Era um profissional de estirpe.”

Laurence Olivier (Entrevista à TV londrina, abr 1961).

“Só anos mais tarde fui compreender o valor de ‘2001’, obra genial.”
Woody Allen (citação no documentário sobre “SK”, 1999)

“O cinema perde uma figura ímpar de ‘metteur-en-sène’, fotógrafo, adaptador de textos para a tela e pensador. Lamentei profundamente sua morte. Lembro-me de quando declarou serem Max Ophuls e eu suas maiores influências. Senti-me lisonjeado, dada a categoria de Kubrick como cineasta.”
Ingmar Bergman (entrevista à TV sueca, mar 1999).

“Impressionava-me em Kubrick sua grande densidade técnica no tratamento da narrativa cinematográfica e seus conhecimentos dos meios mecânicos à disposição de um cineasta. Suas fotos em p & b, de quando ainda era muito jovem, já faziam antever o grande artista que ele viria a ser. Sua morte é sem dúvida uma grande perda para o cinema.”
Walter Hugo Khouri (In boletim do MAM, abr 1999)

“SK é um cineasta altamente organizado e capaz. Vive cercado de fones, computadores, editola e finos instrumentos de escrita. Tem também um forte sentido literário. Em todos os aspectos pensa como um romancista.”
Diane Johnson (co-cenarista de “O Iluminado” in
“SK, a Biography”, de V. Lobrutto, 1997).

“Stanley Kubrick - Sim, todos nós sentimos muito sua perda. Rendi-lhe homenagem como meu mestre quando levei a cabo seu ousado projeto para o ‘Inteligência Artificial’: mantive seu nome como produtor e basicamente segui suas notas para a ‘decoupage’ e o desenho de produção como um todo. Em verdade, estendi ‘AI’ um pouco além, contrariando-o, pois minha visão para o futuro era um tanto otimista. Pensei nele novamente em ‘Minority Report’, quando comecei a suspeitar que não haverá ‘nenhum mundo novo e nobre pela frente’.”
Steven Spielberg (entrevista ao ‘Daily News, abr 1999)

Fique por dentro

DEEP FOCUS – O foco profundo, como esclarecem os técnicos, é a definição nítida de todos os objetos frente a uma câmara, tanto longe como perto, no mesmo plano. O alcance efetivo no qual as lentes comuns da câmara podem produzir imagens em foco está limitado pelas leis da profundidade de campo (“depth of field”). Mas o desenvolvimento de uma lente especial em fins dos anos 30 abriu novas possibilidades para os cineastas. Coube a um diretor de fotografia (ou “cinematographer”, no jargão profissional) da categoria de Gregg Toland explorar essas novas possibilidades com grande eficiência nos anos 40, de forma mais notável em “Cidadão Kane” (Citizen Kane, 1941), de Orson Welles e em “Os Melhores Anos de Nossas Vidas” (The Best Years of four Life, 1946), de William Wyler. Não foi Toland, esclareça-se, o inventor ou o pioneiro da profundidade de foco no cinema. Outros cineastas antes dele fizeram uso desse jogo de lentes (Stroheim, Sternberg, Renoir), mas poucos souberam explorar esse potencial técnico-artistico como ele. Ao utilizar um plano em foco profundo, o realizador pode comentar visualmente a relação entre personagens e eventos situados em planos diferentes, sem recorrer à interrupção pelo corte ou mover desnecessariamente a câmara para cobrir toda cena. Em “Kane”, por exemplo, há momentos de utilização do “deep focus” em várias situações, como na tentativa de suicídio da sua amante, quando ficam em foco, no mesmo plano, o copo do qual ela tomou o veneno e a figura de Kane ao arrombar a porta para salvá-la. Assim também quando o político (Ray Collins) atacado pelo magnata se afasta, após denunciá-lo à mulher como adúltero, vemo-lo descer as escadas e Kane fica bem atrás, ambos em imagens bem nítidas. Dezenas de outros exemplos poderiam ser citados, mas estes bastam para tirar dúvidas dos cinéfilos iniciantes. Para o renomado filmólogo francês Marcel Martin, a profundidade de campo é de extrema importância, pois implica uma concepção de direção e até mesmo uma concepção de cinema. Ficamos por aqui.

Para saber mais

1) “2001: Uma Odisséia no Espaço”, de Amir Labaki, Publifolha, São Paulo (SP), 2000;
2) “Stanley Kubrick”, de Pierre Giuliano, Livros Horizonte Ltda, Lisboa, Portugal, 1992;
3) “Stanley Kubrick”, de Juan Carlos Polo, Ediciones Monteleón 35, Colección Conocimientos de Cine, Madrid, 1997;
4) “Stanley Kubrick, Poeta Visual (1928-1999), Filmografia Completa, de Paul Duncan, Taschen GmbH, Teletraduções, Ltda, Lubra, 2003;
5) “Stanley Kubrick, A Biography”, by Vincent Lobrutto, Donald I. Fine Books, USA, 1997;
6) “5 Anos sem Stanley Kubrick”, de L. G. Miranda Leão, no DN, 23 maio 2004;
7) “Words and Movies”, by Stanley Kubrick in “Sight and Sound”, Winter 1960-61;
8) “Director’s Notes: Stanley Kubrick Moviemaker” in “The Observer”, December, 1960;
9) “Stanley Kubrick, A Film Odissey”, by Gene D. Phillips, Big Apple Filme Series, Leonard Maltin, General Editor, Popular Library, New York, NY. ], 1975;
10) “The Complete Kubrick”, by David Hughes Virgin Books Ltd., Rainville Road, London, 2002;
11) “The Cinema of Stanley Kubrick”, by Norman Kagan, Holt, Rinehart & Winston, New York, NY., 1972; e
12) “The Steadicam & The Shining”, in “American Cinematographer”, de Garret Brown, August 1980.

Legendas (referem-se às fotos do artigo sobre "Glória Feita de Sangue", publicado no Caderno de Cultura do Diário do Nordeste de domingo 12 de abril de 2009)

O Gen. Broulard caminha com seu ajudante de ordens para assistir ao fuzilamento dos três soldados. Veja-se o uso do “deep focus” em “Glória Feita de Sangue” (1957)

Sue Lyon, a sedutora ninfeta de Kubrick em “Lolita” (1962)

SK reorienta Olivier e Curtis para o diálogo homoerótico disfarçado em ostras e mexilhões... Kirk Douglas, o produtor, temia boicote dos Estados ultraconservadores a “Spartacus” (1960).

Foto de SK nos anos 80.

Cena noturna feita com lentes de satélite acopladas por SK à câmara Mitchell em “Barry Lyndon” (1975).

Cena em bordel de luxo em “Barry Lyndon”: planos à luz de velas.

Pausa de SK durante a filmagem de “O Grande Golpe” (1956).

SK conversa com Arthur Clarke, para quem o cineasta foi um dos homens mais inteligentes de quantos conheceu.

Kubrick orienta os cosmonautas em “2001” (1968).

SK atende a jornalista no set de “Laranja Mecânica” (1971).

SK acompanha a “steadicam” de Garret Brown no labirinto de “O Iluminado” (1971).