quarta-feira, 7 de setembro de 2011

CINEMA PERDE SIDNEY LUMET






Aqui nossa homenagem póstuma a Sidney Lumet, cineasta dos bons, desaparecido aos 87 anos incompletos, pois nasceu na Filadélfia em 25 de junho de 1924 e faleceu em 9 de abril deste 2011, vítima de insidioso linfoma. Cineasta de clássicos modernos, Lumet dirigiu nada menos de 44 filmes de qualidade, alguns poucos nem tanto, devido a dificuldades de adaptação de peças teatrais para o cinema, outros muito bons e até mesmo inesquecíveis, aos quais dedicamos algumas linhas para orientação dos cinéfilos leitores.



Lumet era filho de Baruch Lumet e Eugenia Wermus, intérpretes veteranos do teatro lídiche (do alemão "judisch deutsch" ou judeu alemão, mistura do Hebreu e de antiga forma de uma língua germânica falada principalmente por judeus provenientes da Europa Central e Oriental. Como sabemos, milhares de judeus emigraram para outros países nos anos 30 (ou mesmo antes disso) em razão do implacável anti-semitismo nazista do qual os nomes sinistros de Auschwitz, Sobibor, Sachenhausen, Treblinka, etc. refletem bem o enigma do mal inexplicável e profundamente cruel deste nosso mundo louco.






Os Primeiros Êxitos

Lumet fez seu "debut" profissional no rádio aos 4 anos ( ! ) e aos 5 no palco do teatro de Arte Iídiche. Como criança, atuou em muitas peças na Broadway, revelando-se depois um garoto prodígio em "Dead End" (Beco sem Saída), louvada peça de Sidney Kingsley roteirizada para a tela por Lilian Hellman (1937), com fotografia em p&b a cargo de Gregg Toland (lembremo-nos dele em "Kane", quatro anos depois). Foi um surpreendente triunfo nas bilheterias. A primeira atuação de Lumet como ator no cinema ocorreu aos 15 anos, em "Um Terço de uma Nação" (One Thing of a Nation), em 1939. Convocado para prestar serviço na II Guerra em 1942, Lumet retornou ao serviço ativo em 1946 como operador de radar na Índia e em Burma!



De volta, esse jovem de rara inteligência e muitas habilidades organizou um grupo de trabalho "off-Broadway" e tornou-se diretor, revelando indiscutível talento na direção do elenco, iluminação do ambiente e na encenação teatral como um todo. A fascinação pelo cinema já perseguia Lumet, mas só se consolidou mais adiante, depois de ter dirigido um "Summer Stock", ou seja, a produção de peças musicais durante o verão, especialmente numa estação de veraneio e com freqüência por uma "repertory company". Nesse tipo de apresentação teatral, uma companhia desempenhava várias peças regularmente ou uma seqüência alternada numa quadra do ano. Não admira ter sido Lumet convidado aos 23 anos para lecionar interpretação na prestigiada "High School of Professional Arts"!

Finalmente, o Cinema

A partir dos seus 24 anos, Lumet juntou-se à CBS, onde logo ganhou reconhecimento como um jovem e talentoso diretor. Foi quando decidiu profissionalizar-se com vistas ao seu futuro. Depois de atuar com proficiência em vários dramas veiculados pela TV, com bons índices de audiência, Lumet começou a aprofundar seus conhecimentos sobre a 7ª Arte, vendo e revendo filmes de mestres europeus e americanos e estudando teorias do cinema em voga nos anos 40, enquanto desenvolvia sua própria maneira de compreender o espetáculo cinematográfico. Depois de dirigir dramas veiculados pela TV, dentre os quais "You Are There", "Omnibus", "Best of Broadway", "Alcoa Theater" e "Goodyear Playhouse", Lumet teve sua primeira oportunidade de realizar um filme para a telona: "12 Homens e uma Sentença" (Twelve Angry Men, 1957), graças ao convite feito pelo ator e produtor Henry Fonda, um dos intérpretes desse "courtroom drama". Foi um "abre-te sésamo", pois graças à experiência vivida naquele espaço, onde os atores atuavam como membros de um júri, Lumet pôde concluir a filmagem rigidamente estruturada em 19 dias com um orçamento de apenas US$ 343,000!







Escrito para o cinema por Reginald Rose, baseado em sua própria peça, com atuação impecável dos doze jurados, o filme crítica a fragilidade e a corrupção na Justiça e no organismo policial, elementos, aliás, presentes noutros filmes do cineasta. Com a ajuda do seu "cameraman" Boris Kaufman, Lumet aproveitou vantajosamente as restrições do espaço para gerar uma tensão crescente e incomum dentro do confinamento quase claustrofóbico da sala dos jurados. O filme e seu diretor foram indicados para o Oscar e projetaram o nome de Lumet como um dos melhores realizadores dos ricos anos 50.



Sidney Lumet, Ellen Adler, and James Lipton


Embora a avaliação crítica do valor intrínseco da filmografia de Lumet variasse de filme para filme a partir de sua estréia, pois logo dirigiu "Quando o Espetáculo Termina" (Stage Struck, 1958), "Mulher daquela Espécie" (That Kind of a Woman, 1959), "Vidas em Fuga" (The Fugitive Kind, 1960) e "Panorama Visto da Ponte" (A View from the Bridge, 1961), os críticos de modo geral o viram como um diretor sensível e inteligente, possuidor de considerável bom gosto e coragem para experimentar uma variedade de técnicas e estilos, afora o talento incomum para conduzir atores e trazê-los para trabalharem em seus projetos. Sua direção segura e sensibilidade tornaram-no respeitado e mesmo admirado. Dirigiu promissores astros de Hollywood e consagrou muitos deles em seus filmes, como Andy Garcia, por exemplo, cubano naturalizado americano, em "Sombras da Lei" e Al Pacino em "Um Dia de Cão".

Como trabalhava

Lumet utilizava um método de trabalho muito raro nos dias de hoje: o cineasta sabia como seria cada seqüência, mesmo antes de rodá-la, possibilitando-lhe filmar apenas o necessário e acelerar o processo de produção. Grande parte de seus longas se passa em Nova Iorque, a cidade dos seus amores, como gostava de lembrar. Quanto a "Assassinato no Oriente Express", foi planejado em 1974 com ponto de apoio na obra de Agatha Christie e elenco formado por atrizes como Ingrid Bergman, Lauren Bacall e Vanessa Redgrave.

Senso de cinema e corte

Já "Um Dia de Cão" (Dog Day Afternoon, 1975) foi considerado obra-mestra de Lumet ao narrar com realismo e senso de cinema o drama de dois homossexuais, um dos quais se arma para roubar um banco e conseguir dinheiro para uma operação de mudança de sexo do seu companheiro. A história é incrível mas verdadeira. O pior é quando o assaltante percebe não ter chance de êxito e vê sua ação transformar-se num incidente envolvendo toda a cidade. Frank Pierson ganhou um Oscar pelo roteiro baseado em artigo escrito por P.F.Kluge e Thomas Moore. Lumet fez jus ao prêmio da Associação de Diretores e o filme foi bastante elogiado pelos críticos.

Na esteira de vários esforços diretoriais anteriores, Lumet recebeu outro prêmio pela forma como levou à tela "Um Longo Dia de Viagem dentro da Noite" (Long Day´s Journey into Night, 1962), quando aplicou uma combinação magistral de trabalho de câmara ao mesmo tempo estático e dinâmico, transformando a peça num trabalho distintamente cinemático, apesar de alguns trechos estendidos um pouco além do necessário. Afinal, a metragem original de 174min foi depois reduzida a 136min. Um "remake" para a TV foi feito em 1987, com Jack Lemmon. No elenco de "Long Day´s Journey" atuam Katharine Hepburn (a mulher viciada em drogas), Ralph Richardson, seu marido ineficiente e ator pomposo, enquanto Dean Stockwell interpreta o filho tuberculoso e Jason Robards o jovem alcoólatra. Em verdade, uma família marcada pelo infortúnio, mas o filme é uma adaptação fiel e um tanto teatral da peça de Eugene O´Neill na qual se estuda uma família problemática na primeira década do século XX, quando os recursos clínicos e psicológicos ainda engatinhavam. Lumet aceitou o desafio de dirigir um dos seus trabalhos mais longos e complexos.



A crescente reputação de Lumet se deveu também ao seu manejo inteligente dos recursos técnicos em dois filmes: "Limite de segurança" (Fail Safe, 1964), um "thriller" da Guerra Fria feito dois anos depois de "Long Day´s Journey into Night", e "O Homem do Prego" (The Pawnbroker, 1965), a história profundamente perturbadora da existência angustiada de um sobrevivente do holocausto, dono de modesta casa de penhores no Harlem de Nova Iorque. Lumet deu-lhe tratamento compassível em face do complexo tema psicológico. O personagem central vive entre suas recordações obsedantes dos campos de concentração nazistas. "Flashes" rápidos da memória são revistos subjetivamente por ele, como numa cena de impacto: sua mulher despida de joelhos numa cama, quando o marido é jogado de cabeça contra a vidraça e ele a vê apreciada por seus carcereiros...




BIBLIOGRAFIA
"Fazendo Filmes" (Making Movies), de Sidney Lumet, publicado pela Anjen Entertainment (1995) e traduzido do original pela Ed. Rocco Ltda., Rio de Janeiro, 1998;

"The Film Encyclopedia" (Ephraim Katz), 3rd. ed. rev. por Fred Klein e Ronald Dean Nolan, Harper-Collins Publishers, Inc., 1998;

"A Magia do Cinema" (The Great Movies), copywright 2002 de Roger Ebert e de 2003 pela Ediouro Publicações S.A.

"Halliwell´s Film Guide", 19ª ed. revista e atualizada em 2004;

Dicionário do Cinema Americano", de Olivier-René Veillon, da Publicações D. Quixote Ltda, Lisboa Codex Portugal, 1985;

"O Cinema de Hollywood", de Phippe Paraire, Liv. Martins Fontes, São Paulo, 1994;

"A Direção Cinematográfica", de Terence St. John, Arte & Comunicação, Liv. Martins Fontes Ed. Ltda (SP), 1995;

"Leonard Maltins´ Movie Guide", a Signet Book publicado pela New American Library, New York, NY, 2005-2011;

"Dictionnaire du Cinéma", de Jean Mitry, Librairie Larousse, Paris, 1965;

"Movies of the 70´s, "ed. por Jürgen Müller e Jörn Hettebrugge, www.Taschen.com 1980;

"Teorias do Cinema" (Theories of Film), de Andrew Tudor, Edições 70, Lisboa-Portugal, 2004;

"Les Plaisir des Yeux" (Ècrits sur Le Cinéma), de François Truffaut, Editions Cahiers du Cinéma, Paris, France, 2004.

"A Dictionary of Cinema", de Peter Graham, A. S. Barnes & Co. Inc., New York, NY, 1968, e

"The American Cinema", de Donald E. Staples, NY University, Voice of America Forum Service, 1973.

Nenhum comentário:

Postar um comentário