sexta-feira, 5 de março de 2010

DOS OUTROS, COMO A NOSSA...


Imperdível este A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen/The Lives of Others), de 2006, dirigido por Florian Dommersmarck (1973__ ), Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2007 e outra obra-mestra com a qual nos brinda o moderno cinema alemão. Recomendamo-lo com entusiasmo aos cinéfilos e estudiosos da 7ª Arte.

Dommersmarck (v. box) se inspirou em acontecimentos e personagens reais para escrever o roteiro deste filme memorável. Durante as filmagens e na pós-produção vários atores descobriram ter sido vítimas, eles mesmos, da Stasi, a temível polícia secreta da então Alemanha Oriental, espécie de Gestapo rediviva e sofisticada. Até Charly Hubner, pai de um dos coadjuvantes, foi descoberto como ex-membro da Stasi da qual faziam parte 100.000 agentes e 200.000 informantes! As cifras são do próprio filme. Com deve ter sido angustiante viver sob tal ditadura antes de “glasnost”, da “perestroika” e da queda do execrável muro de Berlim!

Sinopse

Em A Vida dos Outros, somente poucos cidadãos estavam acima de qualquer suspeita. Um deles era o renomado teatrólogo socialista Georg Dryman (Sebastian Koch). Mas quando um ministro corrupto se interessa por Christa-Maria Sieland (Martina Gedek), amante de Dreyman, o Cap. Wiesler (Ulrich Mühe), ambicioso funcionário da Stasi, recebe ordens para grampear o apartamento do escritor e arranjar uma evidência qualquer para incriminá-lo Dryman. Quando Wiesler percebe ter ele mesmo aberto caminho para a conquista da mulher do outro, decide repensar seu papel. Essa descoberta mudará dramaticamente as vidas de todos neste fascinante thriller político cujo final não deve ser revelado. Não admira ter sido aclamado por críticos e filmólogos dos EUA. A.O. Scott, do New York Times, por exemplo, chamou-o de “filme honesto e de suprema inteligência”; “Temos muito a aprender com o novo cinema germânico”, afirmou James Horner em boletim da UCLA.


Foto, música, elenco

A simbiose entre Dommersmarck e o cinematographer Hagen Bogdanski transmite forte impressão da realidade, como raras vezes se vê no cinema, pela fusão de cores dessaturadas com o p&b. Impossível esquecer as imagens do dia e da noite, a tonalidade às vezes sépia das ruas desertas e dos corredores estreitos dos apartamentos ou das salas de interrogatório ou da solidão do investigador-chefe, sempre a reclamar o atraso do substituto. Louve-se a melodia original do tipo clássico criada por Stéphane Moucha e Gabriel Yeared, assim como uma das escolhas de cunho popular. Trilha sonora capaz de contribuir para a criação de um clima propício ao desenrolar dos acontecimentos. O elenco é irrepreensível. Impressionam-nos Sebastian Koch (o Conde Stauffenberg em “Operação Valquíria”), Ulrich Tukur (oficial anti-nazista em “Valquíria” e “Amém”), Martina Gedek como Christa-Maria, Thomas Thieme como o ministro Hempf e Ulrich Mühe como o capitão Weisler (aliás falecido durante a pós-produção).

Direção Fílmica

Só vimos virtudes na mise-en-scène de Dommersmarck, desde a abertura com a condução do prisioneiro e o interrogatório entrecortado pela aula aos alunos da Stasi. Nela avultam as imagens-movimento e as imagens-significantes, gestos e expressões dos personagens reveladores do fluxo subjacente de interesses e emoções ocultas ou mal disfarçadas. O cineasta não se atrapalha no domínio do ritmo, do foco e dos detalhes (recorde-se o banho de Christa depois do conúbio forçado com o ministro), tem o olhar atento para o equilíbrio entre diálogos relevantes e imagens capazes de falar por si sós, enquanto as imagens-tempo, as da inquietação, preparam o caminho para o desfecho inesperado e contundente. São impressões digitais de um mestre a utilização da voz em “off” para elidir explicações supérfluas e dos primeiros planos de curta duração, a discrepância entre fala e imagem em tempo e espaço diferenciados acrescida de inteligente jogo de luzes, a câmara movimentando-se em contre-plongée,enquanto os galhos finos das árvores desfolhadas marcam a passagem das horas, o impacto do atropelamento e a cena do cemitério. Não há câmara cambaleante, efeitos espalhatosos via computadores, “chicotes”, fusões exageradas, abuso de cortes. Temos cinema em alto nível, a ver e rever.

Sobre Von Donnersmarck

Florian Graf Henckel von Donnersmarck (ou simplesmente Florian Donnersmarck) nasceu em Koln (Cologne) há 35 anos. Diplomado em Filosofia e Política pela Universidade de Oxford, fala inglês e francês fluentemente. Estudou cinema e direção fílmica na Escola Superior de TV e Cinema de Munich (Hochschule für Fernsehen und Film/HFF). Apreciador das obras dos mestres do moderno cinema alemão, como Volker Schlondorff, Alexander Kluge, Werner Herzog, Wim Wenders, Joe Baier, Tom Tykwer, Roland Suso Richter, Egon Monk, Oliver Hirschbiegel, “A Vida dos Outros” foi seu 5º longa. Anteriormente dirigiu “Mittermarch” (1997), “Das Datum” (1998), “Dobermann” (1999) e “Das Temper” (2002), todos sem título em português, bem assim vários episódios e filmes para a TV. Também foi ganhador do BAFTA e de 33 indicações. Donnersmarck desenvolveu a noção profunda da unidade espácio-temporal no cinema e do valor da montagem na narrativa neoclássica.

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