Nascido em 1909 em Grand Forks, na Colúmbia Britânica, falecia em 2000, aos 91 anos e ainda lúcido, o cineasta canadense Edward Dmytryk (pronuncie-se/Dmytrýk/), vítima de insuficiência cardiovascular. O Blog do LG rende nesta edição um tributo a quem comandou 52 filmes em 44 anos de profícua atividade diretorial (1935-1979), mas foi esquecido e/ou subestimado pelas novas gerações. Se vivo fosse, estaria ele comemorando o seu centenário.
Realizador polêmico em face da histeria anticomunista e do abominável macarthismo dos anos 40-50, Dmytryk dirigiu filmes “noir” de categoria e dramas de boa qualidade, alguns nem tanto assim, em face de roteiros medíocres e de interferências externas, mas muitos deles integram as DVDtecas de cinéfilos daqui e dali. Quem tem seus filmes (uma raridade, diga-se de passagem) não gosta de emprestá-los, pois não sabem se ou quando voltam...
Este texto funde duas partes intrinsecamente ligadas: a primeira olha retrospectivamente para o fenômeno Hollywood, suas primícias e tempos áureos com centro de excelência em termos de cinema e como está hoje, bem assim para a crise surgida com o advento da TV, o macarthismo dos anos 50 e suas conseqüências no meio artístico. A segunda enfoca de forma sucinta a carreira do diretor, seu auto-exílio e o de outros cineastas, o retorno aos EUA e seu posicionamento equivocado frente ao Comitê de Atividades Antiamericanas do Congresso, o tal “House of Un-American Activities Committee” (HUAC), para novamente poder atuar como “filmmaker” em Hollywood. Ninguém aprova a delação, mas não é demais lembrar aqui as palavras de Ortega Y Gasset segundo as quais “eu sou eu e as minhas circunstâncias”...
Hollywood: Hoje e Ontem
Atualmente, Hollywood é um subúrbio um tanto desgastado de Los Angeles, desprovido do seu glamour de outrora como a capital do mundo do cinema, tal como a vêem os pesquisadores Barbara e Scott Siegel. Mas, para a maioria dos fãs da 7ª Arte de ontem e de hoje, Hollywood - denominada de início “bosque de azevinho” e depois “a fábrica de sonhos” e “cidade-ouropel” - não foi tanto um lugar como um estado de espírito, até mesmo durante a era de ouro dos anos 30 e 40, quando os estúdios se expandiram amplamente pela bacia de Los Angeles.
Originariamente o nome de um rancho existente no local da futura meca do cinema mundial, “Hollywood” assim foi chamada pelos proprietários, o sr. e sra. Wilcox, vindos de Kansas em 1886... O sr. Wilcox, dizem os historiadores, tinha sido um bem sucedido agente imobiliário capaz de aplicar seu talento para, em 1891, começar a subdividir seu rancho e vender terrenos. Em 1903, a pequena e sonolenta comunidade foi incorporada como vila, assumindo o nome do próprio rancho. Enquanto isso, a indústria americana de filmes crescia a olhos vistos em Nova Iorque, pois era essencialmente um negócio da Costa Leste.
Em 1907, entretanto, a produção de filmes em pequena escala começou a crescer na área de Los Angeles, quando o Coronel William N. Selig (1864 - 1948), líder e inovador entre os primeiros produtores cinematográficos, entrou no ramo. Sua produção, a Polyscope, estava entre as maiores e mais bem sucedidas empresas dos primeiros tempos do cinema, compartilhando das fileiras da Companhia de Thomas Edison, da Biograph e da Pathé francesa. O lugar de Selig na indústria de filmes ficou assegurado por dezenas de realizações. Numa delas, “O Conde de Monte Cristo” (1908), quando foram necessárias tomadas externas, ele se tornou o primeiro produtor a mandar uma unidade de filmagem para a Califórnia.
A Califórnia
Segundo o casal Siegel, a área situada no Sul da Califórnia seduzia os realizadores por vários motivos: o sol abundante o ano inteiro permitia mais tempo para rodar os filmes, e o terreno ainda não cultivado e de vegetação variada se ajustava bem para a realização de vários gêneros de filmes em exteriores. Em 1908, quando a companhia de Edison começou tentando colocar seus concorrentes fora dos negócios, o Sul da Califórnia tornou-se um refúgio para as recém-surgidas empresas interessadas em ficar tão longe de Nova Iorque quanto possível. Além disso, a fronteira mexicana estava bem perto para uma rápida escapada da lei.
Hollywood tornou-se parte da grande Los Angeles em 1910, embora fosse ainda uma localidade subdesenvolvida. Essa condição mudou drasticamente quando o produtor-diretor Cecil B. de Mille (1881 - 1959) lá chegou em 1913 com a intenção de fazer ali seu primeiro filme. Sabia-se do seu interesse em filmar em Flagstaff, no Arizona, mas DeMille não gostou do local e continuou viajando de trem até chegar ao fim da linha: Hollywood. Lá filmou o longa-metragem bem sucedido, “The Squaw Man” (1914) e subitamente, graças a DeMille, algumas vezes referido com o Pai de Hollywood, outros realizadores chegaram aos montes. Quando a “Motion Pictures Patents Company” de DeMille foi dissolvida em 1917, a maioria dos grandes estúdios tinha vindo do leste para fazer filmes, pois apenas mantinham escritórios em Nova Iorque.
Hollywood e a TV
Apesar de os grandes produtores - judeus em sua grande maioria - terem construído imponentes estúdios à prova de som e climatizados em lugares afastados e tão díspares como o San Fernando Valley e Culver City, Hollywood foi o nome com o qual ficou para descrever a sede de tudo quanto se relacionava com o cinema nos EUA. Para as platéias do mundo inteiro (e não vai aqui nenhum saudosismo), as palavras “Made in Hollywood” tornavam disponíveis os filmes mais opulentos feitos com profissionalismo e os mais excitantes. E assim, segundo os pesquisadores, permaneceu até fins dos anos 40 e início dos 50, quando o poder dos estúdios finalmente se esvaiu. Forçados a desfazer-se das suas cadeias de cinemas em face de problemas com a legislação antitruste e sofrendo grandes fracassos bilhetéricos devido à expansão do novo veículo comunicacional, a televisão, os estúdios começaram a desmoronar. Celulóides feitos rotineiramente em Hollywood eram filmados além-mar devido aos impostos. Além disso, atores, diretores e produtores tornaram-se independentes: simplesmente alugavam o espaço dos estúdios e faziam seus filmes. Finalmente, os estúdios se tornaram em grande parte apenas redes de distribuição ao invés de produções cinematográficas genuínas. Quando ocorreu essa erosão, como escreveram as fontes destas notas (v. filmografia), a imagem de Hollywood como capital do cinema sofreu um rude golpe.
Séries e Filmes para a TV
Ironicamente, Hollywood foi salva por quem no início quase a liquidou: a TV. Os estúdios da indústria cinematográfica e os terrenos espaçosos continuam em atividade até hoje graças à produção permanente de séries da TV como “House”, “Lost”, “Arquivo X”, assim como no passado se distinguiram séries como “Além da Imaginação” (The Twilight Zone), de Rod Serling, mestre em criar uma atmosfera instigante, misteriosa e finais inesperados. Destaquem-se, a propósito, os filmes feitos para a televisão, onde já se fizeram clássicos para a telona prateada e onde se formaram cineastas do porte de John Frankenheimer e Sidney Lumet, entre outros. Hoje temos os computadores, os efeitos especiais digitalizados, excesso de cortes, videoclipagem, “chicotes”, fantasias ridículas, bobagens românticas a granel, violência, fantasias, refilmagens narrativas mal estruturadas, abertura para o sexo desenfreado e até o sadismo de filmes recentes como “Jogos Mortais” ou as torturas numa adolescente, até o desespero, como em “Um Crime Americano”, baseado em caso real ocorrido nos EUA em Indiana, 1965.
A geração dos anos 50 pertence, toda ela, como bem expressou o crítico e filmólogo francês René-Veillon, à aventura cinematográfica capaz de fazer de Hollywood uma ilha desligada da realidade norte-americana, isolada quer pelo seu funcionamento autônomo, quer pelas mitologias erguidas entre ela e o seu público. Toda a história do cinema dos EUA, como já se disse tantas vezes, foi reconhecida ali no bulício dos estúdios, quando seguiram seu próprio caminho, obedecendo às suas regras próprias e oferecendo-se às contradições da época para melhor transformá-las em funções de si mesmas, como vimos em filmes como “Assim Estava Escrito” (The Bad and the Beautiful), de Vincent Minelli (1952). Segundo ainda o crítico francês, mesmo assim, nos anos 50, Hollywood foi ainda uma formidável máquina de sofrer e interpretar as dúvidas nascidas da guerra fria, restituindo-lhe o lugar numa continuidade histórica. O paradoxo do cinema dessa época, podemos concluir, consiste em pertencer simultaneamente à história de sua crise, embora não possamos dissociar esses dois termos.
Anos 50: Visão Retroativa
Os críticos e cinéfilos de modo geral não podem dissociar dos anos 50, linha divisória do século XX, o nome de Dmytryk e seus filmes, tampouco esquecer aquela década, pois, como sabemos, provocou uma ruptura profunda no meio cinematográfico hollywoodiano e na ambiência psicossocial dos EUA. Isso porque, no auge do seu poder e alcance, Hollywood estava envolvida nas primeiras audiências do HUAC, sigla sinistra da intolerância persecutória para muitos dos injustiçados, numa crise de confiança coincidente com o surgimento da televisão, enquanto a crise política de um mundo exaurido do pós-guerra prenunciava um estado de dúvidas e incertezas de caráter socioeconômico sugeridas pelo “crash” de 1929.
A retransmissão pela TV, dia e noite, dos depoimentos de atores, cineastas, produtores, roteiristas, dentre outros, convocados a testemunhar a respeito da “influência comunista” nos meios cinematográficos, tornou-se uma angústia permanente. Foi como se o mundo mítico do cinema estivesse condenado a um ritual de constrangimento e pressões de toda ordem, como salientou ainda René-Veillon na sua visão daqueles anos 50, dos quais milhares de pessoas sairiam humilhadas e muitas delas desempregadas e algumas presas. Essa encenação investigativa, lembrando, mutatis mutandis, a Inquisição papal de triste memória ou os “interrogatórios” da Gestapo e da KGB, contribuiu sem dúvida para desacreditar o sistema de funcionamento de Hollywood. Era tudo quanto queriam os políticos sequiosos de interferir na estrutura cinematográfica, todos eles ávidos de publicidade, objetivando deslocar para outros veículos de comunicação o prestígio e o poderio até então nas mãos do cinema, conforme registravam alguns críticos.
O espetáculo da crise política atingia os alicerces da crise político-econômica já referida, enquanto a TV mostrava aos quatro cantos o julgamento de um sistema por ela mesma condenado e cujas dificuldades registrava para depois neutralizá-lo e precipitar a sua transformação, como escreveu René-Veillon. No entanto, apesar desse quadro crítico em termos psicossociopolíticos também analisado por Scott e Barbara Siegel (v. bibliografia consultada), surgiram cineastas dispostos a enfrentá-los. Dentre eles destacamos Otto Preminger, Robert Aldrich e produtores independentes não comprometidos, como Stanley Kramer e James B. Harris (este faria depois dupla com Stanley Kubrick), bem assim roteiristas e autoras como Lillian Hellman, de “Pérfida” (The Little Foxes, 1941), dirigido por William Wyler, e de “Julia”, sua obra homônima adaptada por Alvin Sargent e levada à tela por Fred Zinnemann em 1977, e Ayn Rand, de “Vontade Indômita” (The Fountainhead, 1949), de King Vidor.
Lembremo-nos de escritores como Ring Lardner de “A Mulher do Dia” (Woman of the Year, 1942), de George Stevens; de “Laura” (1944), com “script” de Betty Reinhardt, Jay Dratler e Samuel Hoffenstein baseado no romance de Vera Caspary, e direção de Preminger. Igualmente, de “O Grande Segredo” (Cloak and Dagger, 1946), de Fritz Lang, com mais um “screenplay” de Lardner, e principalmente de Carl Foreman, roteirista de “Espíritos Indômitos” (The Men, 1950), “Matar ou Morrer” (High Noon, 1952), ambos dirigidos por Zinnemann, e de “A Ponte do Rio Kwai” (The Bridge on the River Kwai, 1957), de David Lean, para só ficarmos nestes nomes vindos à memória.
Os Anos Verdes de Dmytryk
Quando ainda garoto Dmytryk perdeu sua mãe, o pai decidiu transferir-se para San Francisco, cidade com maiores possibilidades para uma família de classe média baixa. Em pouco tempo o genitor casou-se em segundas núpcias e o jovem Dmytryk, o mais novo dos filhos, sentiu-se negligenciado, pois tinha de contribuir para a renda familiar vendendo jornais, revistas e assinaturas, mesmo quando ainda estava concluindo o primeiro grau. Terminado o ginasial, o adolescente de 15 anos conseguiu um emprego na Paramount, em Hollywood, como mensageiro. Além dos trabalhos externos, ele atuava também como contínuo. Com o correr do tempo, foi-se mostrando eficiente e cumpridor dos deveres e galgando posições até conseguir empregar-se como auxiliar de projecionista (pois havia começado a gostar do entretenimento das imagens em movimento) e depois como substituto do titular e até um “faz-tudo” em várias fases de produção, a tanto conduzia sua rápida percepção das coisas.
Aos 20 anos, Dmytryk tornou-se assistente de montagem e aos 26 foi promovido a montador e depois a montador-chefe, posição virtualmente mantida nos anos 30. Ao longo do caminho, dirigiu ele um filme experimental de 60 min sobre tribofe em corrida de cavalos e por certo não incluído em sua filmografia dos primeiros tempos, provavelmente porque se perdera no arquivo morto de alguma produtora de cinema amador. Durante esse período rico para o seu aprendizado e amadurecimento técnico, conforme reconheceu em entrevista dada nos anos 50, Dmytryk viu e reviu muitos clássicos na tela dos cinemas ou na sala de edição, filmes de Griffith, Murnau, Stroheim, Molander, Pabst, Sternberg, Riefenstahl, L’Herbier, (Max) Ophuls, Eisenstein e Kuleshov. Leu também textos sobre o específico fílmico e a direção cinematográfica. Não admira ter sido tempos depois professor de cinema nos anos 70 e 80 nas universidades do Texas, em Austin, e da Califórnia do Sul e escrito dois livros em 1984, um dos quais “On Screen Directing” (v. Para Saber Mais), livro de cabeceira de muitos cineastas novos e veteranos, bastante difundido nos EUA. Ainda quanto à sua fase inicial, acresça-se a crédito de Dmytryk o seu trabalho de edição em “Vamos à América” (Ruggles of Red Gap, 1935), de Leo Mc Carey, e em “The Hawk”, sem título em português, bem assim o fato de ter sido chamado para orientar a atuação cênica da inquieta Betty Grable na comédia colegial “Ela Prefere um Atleta” (Million Dollar Legs, estes dois também de 1935), dirigida pelo artesão Nick Grinde.
“Metteur-en-scène”
Embora filmólogos como Marcel Martin prefiram escrever “metteur-en-présence”, optamos por deixar a forma tradicional, pois o cinéfilo leitor estará entendendo logo o significado da expressão. Assim chegou Dmytryk a diretor em 1939. Apesar das cenas de ação bem dirigidas e razoável acolhida da crítica e das bilheterias, seus cinco primeiros filmes são esquecíveis e dispensam comentários: “Espionagem por Televisão” (Television Spy, 1939), ‘’O Corsário Fantasma” (Mystery Sea Raider), “Servidores da Lei” (Emergency Squad), “Luvas de Ouro” (Golden Gloves) e “Seu Primeiro Romance” (Her First Romance), todos de 1940. Nas oito películas de 1941/42, Dmytryk melhorou a qualidade rítmica de seus filmes e a boa interação entre planos fixos e móveis. apesar dos roteiros fracos e dos orçamentos limitados dos filmes-B. São eles: “Os Mortos Falam” (The Devil Commands), “Menor de Idade” (Under Age), “A Namorada do Colégio” (Sweetheart of the Campus), “A Loura de Singapura” (The Blonde From Singapore), “O Segredo da Estátua” (Confessions of Boston Blackie), “As Jóias do Imperador” (Secrets of the Lone Wolf), todos de 1941, e “Dama em Perigo” (Counter-Espionage), “O Farol dos Espias” (Seven Miles from Alcatraz) e “O Falcão Contra-Ataca” (The Falcon Strikes Back), estes de 1942.
A Segunda Fase
A carreira de Dmytryk tornou-se promissora e ascendente a partir do filme antinazista “Os Filhos de Hitler” (Hitler’s Children, 1943), apreciado pelas platéias e bem sucedido à época em termos de bilheteria. Afinal, o mundo estava em guerra. Alguns críticos viram a película como um melodrama artificial situado numa Alemanha improvável (?), embora outros o elogiassem pela recriação cinematográfica de uma ambiência sinistra e verdadeira e pelo roteiro de Emmet Lavery baseado no livro “Educando para a Morte”, de Gregor Ziemer, no qual os nazistas da ditadura de Hitler são mostrados como realmente eram e não como um bando de idiotas na linha tradicional de algumas produções hollywoodianas..
Seguiu-se a esses filmes de 1940-43, a trilogia “noir” com “thillers” de suspense com os quais Dmytrýk ganhou o respeito de analistas exigentes: “Até à Vista, Querida” (Murder My Sweet, 1945), roteiro a cargo do mestre John Paxton apoiado no romance “Farewell My Lovely”, de Raymond Chandler; “Acossado” (Cornered, também do mesmo ano), novamente com Paxton baseado em história de John Wexler e Dick Powell atuando nos dois filmes como protagonista, e “Rancor” (Crossfire, 1947), da obra de Richard Brooks também adaptada por Paxton, alterando-se apenas o objetivo do ódio psicopático ao homossexual, como no texto original, para o ódio ao judeu, tudo por exigência homofóbica de produtores e censores! “Rancor” foi indicado para o Oscar de Melhor Filme, Melhor Roteiro e Melhor Ator. O “Halliwell Guide” lhe deu a nota máxima, 4 estrelas! Dmytryk só não ganhou o Oscar de Melhor Diretor devido à acusação de diretor comunista (sic) por parte do HUAC!
Quando Dmytryk estava no acme de sua carreira e prestígio (visto até como galã bem apessoado e “enfant-gaté” de muitas jovens), o segundo semestre de 1947 se tornou um período aziago na vida do cineasta canadense. Convocado para depor no Comitê de Atividades Anti-Americanas, sobre a qual já discorremos na primeira parte deste artigo, recusou-se, com base na 1ª emenda da Constituição, a responder às perguntas do Comitê incumbido de investigar a influência comunista em Hollywood. Por isso, juntamente com outros nove, tornou-se um dos infames “Dez de Hollywood”, já referidos. Ei-los: Adrian Scott, Ring Lardner, Samuel Ornitz, Alvah Bessic, Herbert Biberman, Lester Cole, John Howard Lawson, Albert Matz, Dalton Trumbo e Edward Dmytryk. Todos foram condenados a um ano de prisão e multa de US$1000. Dmytryk saiu com seis meses e exilou-se na Inglaterra. Quando retornou, relacionou os nomes dos colegas participantes das reuniões do partidão. Apesar dos adversários de sua atitude, alguns amigos compreenderam o alcance das pressões por ele recebidas. Nenhum, porém, foi tão estigmatizado quanto Elia Kazan, pois este chegou a pagar um anúncio em página de jornal para denunciar os colegas!
Reações contra o HUAC
Atores como Burt Lancaster, Henry Fonda, Kirk Douglas, John Wayne, Humphrey Bogart e dezenas de outros se manifestaram contra o HUAC, bem assim teatrólogos como Arthur Miller e William Inge e roteiristas e autores como Budd Schulberg. A paranóia concernente às “intenções soviéticas” para minar e destruir a sociedade americana conduziu Hollywood a um expurgo considerável de diretores, atores, produtores e particularmente escritores, os quais viam suas carreiras e com freqüência suas vidas destruídas, como as de Larry Parks e John Garfield, para citar apenas estes dois, pois o caso de Charlie Chaplin comportaria muitas páginas. Em suma, mais de mil pessoas marcadas com o labéu de comunistas ou simpatizantes descobriram ser impossível defender-se naquelas circunstâncias. Muitos nem mesmo sabiam estar na tal lista negra, só viriam a sabê-lo quando descobriram a impossibilidade de conseguir emprego... Muitos vendiam seus “scripts” para sobreviverem usando pseudônimos. Tristes tempos...
Fuga para a Europa
Lardner, Foreman e os cineastas John Berry, Joseph Losey, Robert Rossen, Jules Dassin e alguns outros emigraram para a Europa. Tiveram de dirigir filmes com nomes falsos, de tal modo pudessem exportar suas fitas para o mercado americano... Caso mais notável é o de Dalton Trumbo (1905-76), outra vítima do macarthismo. Escreveu 18 “screenplays” sob vários pseudônimos. Sua história para “Arenas Sangrentas”, (The Brave One, 1956) fez jus a um Oscar para o desconhecido Robert Rich, mas este, no fim de contas, não era outro senão o próprio Trumbo, para estupefação da indústria na cerimônia de entrega do Oscar. Para F. Kline e R.D. Nolan, Trumbo foi o primeiro dos escritores da “lista negra” a emergir do subterrâneo do anonimato, graças à insistência de Kirk Douglas, Preminger e Kubrick, homens de visão humanista e prestígio no meio cinematográfico. Daí o motivo pelo qual o nome de Trumbo apareceu nos créditos de suas respectivas produções, “Spartacus” e “Exodus”. A Legião Americana tentou boicotar os dois filmes, colocando piquetes na porta dos cinemas (decisão de um ridículo atroz), mas sem nenhum resultado.
Trumbo acabou realizando seu antigo sonho de levar à tela a sua sombria novela antimilitarista “Johnny Vai à Guerra” (Johnny Got his Gun, 1971), primeiro e único filme dirigido por ele. A realização ganhou um prêmio no Festival Internacional de Cannes, mas o retorno de Trumbo aos EUA foi marcado por problemas de saúde. Bem sucedido após cirurgia de câncer de pulmão, morreria de ataque cardíaco aos 70 anos. Deixou-nos “screenplays” exemplares, como “Kitty Foyle” (1940), “Arenas Sangrentas” (1956), “Spartacus”, “Exodus” (1960), “O Último Pôr-de-Sol” (1961), “Sua Última Façanha” (1962), “O Assassinato de um Presidente” e “Papillon”, ambos de 1973. O mundo dos “screenplays” ficou órfão depois do desaparecimento de Trumbo, disse Kubrick, um dos defensores do seu pensamento político e da plena liberdade de criação para o artista.
Na Inglaterra
Tão logo foi solto[1](*), Dmytryk se impôs um exílio forçado na velha Albión, assim como o fizeram alguns do já citados cineastas e roteiristas. Lá dirigiu três filmes: o primeiro, “Aquele Dia Inesquecível” (So Well Remembered, 1948), escrito por Paxton, calcado no romance de James Hilton. Para Dilys Powell do “Sunday Times”, “a ocasional tibieza do texto original é compensada por um sentido fortemente comunicativo de clima e locação: as ruas tortuosas brilhando na chuva, as casas soturnas e sufocantes”. Bob Warren viu no filme “uma câmara perscrutadora atenta a cada detalhe relevante e às máscaras dos actantes”. O segundo, o socialmente consciente e bastante elucidativo “O Preço de uma Vida” (Give Us This Day, 1949), teve roteiro de Ben Barzman e a colaboração do próprio Dmytryk. Houve quem visse no subtexto do filme uma tentativa do cineasta para explicar seu testemunho frente ao HUAC e ser perdoado pelos amigos... O terceiro foi “Mórbido Despeito” (Obsession, 1949) sobre tentativa de vingança criminosa de um marido e um final surpreendente, precedido de uma tensão exasperante e bem construída.
Para fechar esta visão retrospectiva, permitindo-nos sugerir aos cinéfilos porventura interessados no macarthismo a revisão de filmes como “Culpado por Suspeita” (Guilty by Suspicion, 2004/2005), de Irwin Winkler, e “Boa Noite, e Boa Sorte” (Good Night, and Good Luck, 2005), de George Clooney, ambos analisados por este escriba, respectivamente no Caderno de Cultura do DN (05 e 12 de dezembro de 2004) e no “Zoeira” (12 de fevereiro de 2006), para terem idéia mais abrangente do clima angustiante vivido por artistas, técnicos, escritores e atores naqueles tempos ominosos.
Filmografia Essencial
Vimos e revimos quase todos os celulóides dirigidos por Dmytryk. Chegamos a comentar alguns deles no antigo CCF e a debatê-los nos anos 50/60 após a exibição dos filmes do cineasta nas telas da cidade, por iniciativa do pranteado Darcy Costa, seu fundador e presidente por vários anos. Da extensa bagagem do realizador canadense, ressaltamos “Até à Vista, Querida”, “Acossado”, “Rancor” (a trilogia “noir”), “Volúpia de Matar”, “O Preço de uma Vida”, “A Nave da Revolta”, “Minha Vontade É Lei”, “Lança Partida”, “Os Deuses Vencidos” e “Miragem”. Não assistimos aos seus dois últimos filmes, “He Is my Brother” (1976) e “Not Only Strangers” (1979), nem conseguimos obter seus títulos em português, tampouco os temos em DVD.
Segundo um crítico do “Variety”, Dmytryk ainda revelava o brilho de sua concepção de cinema em seus derradeiros trabalhos profissionais, mesmo quando os roteiros eram medíocres ou limitados em escopo, ou quando havia interferências, geralmente descabidas de produtores e das próprias distribuidoras. Assim não dá para trabalhar, dizia ele para Kirk Douglas, a quem dirigiu em “O Malabarista” (The Juggler, 1953). Mas, mesmo em obras menores como “O Quarto Oculto” (Obsession, 1946) e “Volúpia de Matar” (The Sniper, 1952), Dmytryk pôde deixar o sinete de sua força para exprimir-se e comunicar-se via imagens em movimento e subtexto, sem perder de vista a coerência do seu processo narrativo. Sumarizamos aqui as qualidades intrínsecas de oito títulos citados acima, os quais dão idéia de como Dmytryk via a realidade psicossocial e econômica do nosso cambiante dia-a-dia e de como a levava ao cinema com proficiência técnica. Ei-los:
“Até à Vista Querida” (Murder, My Sweet, 1945), primeiro filme “noir” de Dmytryk, válido não só pelo jogo de sombras do p&b de Harry J. Wild como pelo roteiro de John Paxton, a quem devemos a abertura com o detetive Philip Martowe (Dick Powell) de olhos vendados, pois ficara temporariamente cego num tiroteio. Vemo-lo recontando para a polícia os eventos conducentes a esse estado e ao seu envolvimento com pessoas assassinadas. Esse desvio da novela original de Raymond Chandler introduziu dois artifícios recorrentes do “noir”: o processo narrativo em retrospecto e o narrador interno (a voz “over”) e estes conduzem o espectador a lugares tortuosos e habitados por marginais e criminosos. Contratado por um ex-presidiário, o protagonista deve descobrir o paradeiro de Velma, ex-cantora de clube noturno. Toques eficazes da direção se impõem, como nos “flashes” intermitentes de luzes da rua refletidas na janela do escritório de Marlowe, ou na presença de Otto Kruger como diretor do sanatório onde o detetive esteve drogado e prisioneiro. Do conflito inicial às ações dele decorrentes chega-se à casa de praia na qual ocorre o clímax, quando o suspense e a expectativa desfecham na definição dos fatos dramáticos antecedentes e Claire Trevor aparece como “femme fatale”.
“Acossado” (Cornered, 1945). De novo Dick Powell no papel-chave, dessa feita como um oficial franco-canadense à procura de encontrar o responsável pelo assassinato de sua mulher. Suas andanças o levam a Buenos Aires para onde fugiram nazistas e antigos colaboradores do regime. O filme é apenas perifericamente “noir” e não tem a complexidade de “Até à Vista, Querida”, pois o jogo do tempo não transforma a duração da história. Dmytryk utiliza a confusão dos tempos para encorpar o entrecho e o conflito da solidão intensificado pelos acessos de amnésia do protagonista. A direção faz uso de elementos típicos de “noir”, não só na iluminação mas na forma pela qual cria o suspense e o ritmo para o final surpreendente, no qual Luther Adler, mesmo por pouco tempo, faz de Marcel Jarnac, pela sua máscara , um criminoso inesquecível. Destaquem-se os diálogos frios, significativos, como aquele no qual alguém pergunta ao protagonista: “Por que tanto interesse em vingar uma mulher morta há tanto tempo? Ela era bonita?”, “Não, era magra e tinha dentes tortos. Mas me lembro de certas coisas e me prendo a essas memórias”. Walter Slezak é outra presença marcante no elenco. “Screenplay” de John Paxton.
“Rancor” (Crossfire, 1947), “script” de Paxton, roteirista de primeira linha, baseado no livro de Richard Brooks, “The Brick Foxhole”. Apesar de a abominável censura do Código Hays exigir uma mudança no tema do homossexualismo para o do anti-semitismo, “Rancor” ganha o “status” de um dos melhores do ano e o máximo de quatro “estrelas” do Halliwell Guide, filme obrigatório nos cinemas e cineclubes dos EUA e da Europa. Um judeu é assassinado num hotel nova-iorquino e três soldados são suspeitos. “Thriller” tenso, com diálogos marcantes, todo filmado à noite com uso eficaz das técnicas de câmara, notável pelo estilo, interpretação, experimentação e o primeiro celulóide americano a condenar o racismo intolerante. Fotografia admirável de J. Roy Hunt, música de Roy Webb, três Roberts no elenco (Ryan, Young e Mitchum), com Ryab em desempenho excepcional, Gloria Grahame atua como atendente de bar (o máximo permitido em Hollywood para sugerir uma prostituta) e Paul Kelly está magistral como um patético amante ocasional da “B-girl”, mas estranhamente um personagem digno de estudo: numa angustiada torrente de palavras, o personagem confessa seu tormento emocional por desejar uma mulher incapaz de amá-lo, porque ganha a vida vendendo a outros tudo quanto ele anseia para si. Dmytryk explicou como mudou progressivamente as lentes da câmara quando filmava cenas com Ryan, de tal forma a distorcer gradualmente o rosto do ator, acentuando a revelação da reprimida paranóia do personagem sádico e anti-semita. Um filme raro.
“A Nave da Revolta” (The Caine Mutiny, 1954). Dmytryk chega a exorcizar a sua própria posição, transformado o personagem vivido por Fred McMurray no ‘’herói’’ da traição, ao fazer do capitão psicopata interpretado por Humphrey Bogart um culpado capaz de torná-la necessária... Tudo se encaixa na ordem hierárquica militar, mesmo se essa sai um tanto abalada. O sujeito individual, como o vêem alguns analistas, transformou-se em sujeito coletivo e o traidor passa de culpado a vítima e a herói de uma salutar revolta contra a força e o arbítrio.
Esse mesmo processo conduz a evolução dramática do personagem de Richard Widmark em “Lança Partida” (Broken Lance, 1954) e “Minha Vontade É Lei” (Warlock, 1959), nos quais Dmytryk desenhou por meio das convenções do gênero o esboço das suas obsessões. De fato, em ambos os “Westerns”, embora de enredos diferentes, Widmark atraiçoa os irmãos, quer porque se insurja contra a lei do pai magistralmente interpretado por Spencer Tracy, quer porque se submeta a ele e receba seu sinal (os revólveres Colt de ouro de Henry Fonda). Ainda assim tem de enfrentar essa comunidade de irmãos e isso assombra o universo de Dmytryk como um remorso penosamente transcendido, como aponta René-Veillon. Mas se por vezes o cineasta tem a audácia de revelar a identidade de um gesto e de enriquecer com suas fraquezas a intensidade do seu projeto cinematográfico, na maior parte dos casos Dmytryk prefere exibir a maestria dos atores e a maquinaria do estúdio na realização do filme. O roteiro é de Robert Alan Arthur e a novela original leva a assinatura de Oakley Hall.
“Os Deuses Vencidos” (The Young Lions, 1958), escrito para a tela por Edward Anhalt com base no romance da Irwin Shaw, enfoca o drama de dois americanos na II Guerra e de um alemão instrutor de esquiagem. Os três se entrelaçam e bem se poderia pensar num épico, segundo o próprio Dmytryk. O resultado tem um sopro renovador e de modo geral concentra a atenção do espectador, embora um tanto irregular e decididamente muito longo. Faltou dessa vez a Dmytryk o toque truffautiano para eliminar o supérfluo em favor da concisão e da elipse. Desconhecemos as interferências dos produtores em relação a “Os Deuses Vencidos”, mas para Pauline Kael, sempre uma crítica exigente, o filme de Dmytryk é episódico o superproduzido como um Grande Hotel em tempo de guerra... Joe MacDonald e Hugh Friedlander foram indicados ao Oscar de Melhor Fotografia e Melhor Música, respectivamente. A personagem de Barbara Rush age num diálogo como se já soubesse do resultado da II Guerra muitos anos antes... Um escorrego ou “gato” capaz de passar sem ser visto por roteiristas, e até por Dmytryk, sempre atento a esses bichanos.
“Miragem” (Mirage, 1965), um dos melhores “thrillers” de suspense da carreira de Dmytryk. Foi adaptado por Peter Stone de uma novela de Walter Ericson. Fotografia de primeira a cargo de Joe Mac Donald e música de Quincy Jones. No elenco, Gregory Peck, Diane Baker, Walter Mathau, Leif Erickson e Kevin MacCarthy. Executivo de empresa cai do alto de um edifício em noite de “blackout” e a única testemunha do estranho e trágico incidente perde a memória… Conforme referIdo mais adiante nas Opiniões, “trata-se de um filme digno de Hitchcock em sua melhor vindima”. Desempenhos de categoria por parte de todo o elenco, precisão no ritmo das ações e na edição final.
O Profissional
Ao longo de sua carreira como “filmmaker” (aqui entendido o termo como realizador de um filme pleno de imageria expressiva e de criatividade, e não como o diretor contratado para executar um roteiro com olhos voltados para a consecução de lucros com a produção), Dmytryk mostrou tirocínio, capacidade de liderança e de trabalho em equipe, flexibilidade no trato com roteiristas, produtores e montadores, eficiência no uso da câmara, preocupação sadia no tocante aos prazos e ao orçamento da produção. Uma pena tenha sido truncada sua carreira na época no macarthismo, quando o direitor Sam Wood o denunciou como comunista perante o HUAC, e quando o acusado já se decepcionara com essa ideologia. Sentenciado a um ano de prisão e multa de US$1,000 por desacato à Corte, Dmytryk auto-exilou-se na Inglaterra, onde dirigiu três filmes. Retornou a Hollywood em 1957 (amigos lamentaram seu retorno, pois preferiam tivesse agido como Losey e Berry, os quais lá ficaram e fizeram carreira na Europa) e testemunhou na segunda rodada das audiências do HUAC, quando incriminou vários dos seus colegas e aí teve carta branca para novamente atuar como diretor cinematográfico...
Em fins dos anos 70, como já referido, Dmytryk ministrou cursos de cinema na Universidade do Texas, em Austin, e em 1984 foi designado como “Filmmaking Professor” na Universidade da Califórnia do Sul. Casado em segundas núpcias com a atriz Jean Porter, escreveu sua autobiografia intitulada “It’s a Hell of a Life but not a Bad Living” (Um Inferno de Vida mas não tão Ruim Assim). Amargou no entanto, durante anos, sua delação no HUAC, segundo se soube, mas levou-a para o túmulo como nódoa indelével. Morreu tranqüilo aos 91 anos, tendo sobrevivido aos seus críticos e algozes. Seu enterro modesto teve a presença de familiares e dos poucos amigos sobreviventes.
Opiniões
“Dmytryk não parou no tempo, apesar das pressões sofridas com o macarthismo abjeto e de suas dificuldades financeiras, do auto-exílio na Inglaterra e do seu retorno aos EUA, quando lamentavelmente relacionou o nome de outros profissionais participantes das reuniões do Partido Comunista. Foi execrado por isso, mas casos assim devem ser vistos contextualmente, embora ninguém aprove a delação. Por isso mesmo ainda é um prazer renovado ver filmes como ‘Lança Partida’ (Broken Lance, 1954), ‘Minha Vontade é Lei’ (Warlock, 1959) e o instigante e pouco valorizado ‘Miragem’ (Mirage, 1965), ‘digno de um Hitchoock no melhor de sua vindima’”.
Dale Bailey no LA. News 1967, citado em parte pelo Halliwell Movie Guide, 2004.
“Vejo nos melhores de Dmytryk, tanto em suas incursões no filme ‘noir’ como noutros gêneros, o cineasta plenamente afinado com uma câmara voltada para as qualidades essenciais da imagem fílmica e o aproveitamento inteligente das elipses e do p&b nos interiores. Em ”Miragem” (Mirage, 1965), por exemplo, pequena obra-prima de suspense, o cineasta canadense consegue transformar um meio mecânico de reprodução num veículo de expressão artística. A narrativa é instigante:e o elenco bem conduzido, com Gregory Peck e Diane Baker á frente, atende bem às exigências da ‘’mise-en-scène’’.
Jean Bourgoin in transcrição do“Paris Match”, nov 1966.
“Por motivos de ordem vária são inesquecíveis ‘Volúpia de Matar’ (The Sniper, 1952), ‘A Nave da Revolta’ (The Caine Mutiny, 1954), ‘Os Deuses Vencidos’ (The Young Lions, 1958) e ‘Minha Vontade é Lei’ (Warlock ,1959). Não nos esqueçamos dos méritos de filmes menores como ‘Os Filhos de Hitler’ (Hitler’s Children, 1942), ‘Atrás do Sol Nascente’ (Behind the Rising Sun, 1943), tampouco destes da trilogia ‘noir’ com ‘Até à Vista Querida’ (Murder My Sweet), ‘Acossado’ (Cornered, ambos de 1944) e ‘Rancor’ (Crossfire, 1947), afora alguns dos fins dos anos 50”.
Rudolph Kessler in “Der Spiegel”, Sep. 1960.
“Cineasta cuja marca registrada na indústria americana de cinema foi feita tanto pelo seu papel singular no escândalo dos ‘Dez de Hollywood’ como pelas suas produções. Como diretor, Dmytryk tez cinqüenta filmes, pelo menos seis deles foram especialmente memoráveis. Apesar de tudo, foi um cineasta dos mais eficazes nos filmes ‘noir’ dos fins dos anos 40 e naqueles dos 50”.
Scott & Barbara Siegel in “The Encyclopedia of Hollywood”, Avon Books, 1991.
Fique por Dentro
DOLLY - Alguns cinéfilos e mesmo estudiosos de cinema usam o artigo masculino (o “dolly"), enquanto outros, o feminino (a “dolly"). Para o cinéfilo Dale Bailey (fala bem o espanhol e o português) , tanto faz. Uma questão de escolha, de preferência pessoal. Importa saber o significado do termo, seja considerando-o apenas como a plataforma (ou suporte equipado com rodas) sobre a qual estão uma câmara e o seu operador, ou como o carrinho (ou maquinário) e quem nele trabalha. Ou seja, o propósito da “dolly" é permitir a aproximação, o recuo ou o deslocamento lateral da câmara em relação à filmagem de cenas pelo seu operador, evitando-se cortes desnecessários. A “dolly" difere bastante da “steadicam” com DIS (“digital image stabilizer”), na qual o operador “veste-a” no corpo e anda com ela para evitar o treme-treme das imagens. Sua invenção se deve a Garret Brown, em 1972, a instâncias de Kubrick. Este a utilizou em seus últimos filmes. Brown e seu assistente fizeram jus a um Oscar especial em 1977.
Voltando à “dolly", quem a controla é o “dolly grip”, espécie de funcionário faz-tudo. Quando se emprega a “dolly" o resultado é com freqüência chamado de um plano “tracking”, “trucking” ou “traveling”, bem assim de “dolly shot” ou simplesmente plano “dolly”. Quando a “dolly" se move em direção ao centro da ação, chama-se “dolly in”; se recua ou se afasta é “dolly out”, e quando se move paralelamente a uma cena em movimento é o “dollying”, “tracking”, etc. Há vários tipos de “dollies” exóticas para usos incomuns, tais como a “crab dolly” (“dolly” caranguejo), a qual pode mover-se para os lados, além de fazê-lo para frente e para trás. Há também a “Western dolly”, cujas rodas massivas de borracha propiciam um movimento firme e suave em terreno irregular. Outro tipo de artifício é o “elemak dolly”, também conhecido como o “spider dolly” (ou “dolly” aranha), particularmente útil em cenários de pouco espaço, tais como corredores estreitos, devido às suas “pernas” ajustáveis. Graças às “dollies”, as imagens-movimento no cinema ganharam posicionamentos e valores técnico-artísticos inexistentes em tempos recuados.
Para Saber Mais
1. “Edward Dmytryk, um Cineasta Esquecido”, artigo de Paulo de Freitas Marques publicado pelo CEC de Belo Horizonte, quando da 1ª Jornada de Cineclubes naquela Capital, 1960;
2. “Dicionário do Cinema Americano” (Os Anos 1945-60), de Olivier René--Veillon, Publicações D. Quixote Ltda, Rua Luciano Cordeiro 119, 1098, Lisboa, Codex, Portugal, 1985;
3. “The American Cinema, Directors & Directions, 1929-68”, de Andrew Sarris, A Dutton Paperback, Clark, Irwin & Co. Ltda, Toronto & Vancouver, 1968;
4. “Macarthismo & Caça às Bruxas: Olhar Retrospectivo”, de L.G. de Miranda Leão em textos publicados no Caderno de Cultura do DN em 05 e 12 de dezembro de 2004;
5. “”On Screen Directing”, de Edward Dmytryk, London/New York, Focal Press, Ind. ed., 1984;
6. “The Encyclopedia of Hollywood”, de Scott & Barbara Siegel, Avon Books 195, Madison Av., New York, NY., Focal Press, 1984;
7. “Dicionário de Cinema”, de Jean Tulard, L&PM Editores, Porto Alegre (RS), 1992;
8. “Dicionário de Cineastas”, de Rubens Ewald Filho, Cia. Editora Nacional, 2002;
9. “Halliwell Movie Guide”, editado por John Walker, Harper Collins Publishers, New York, NY. 10022, 2005-2009;
10. “Film Noir: Reflections in a Dark Mirror”, de Bruce Crowther, publicado na Grá-Bretanha pela Virgin Books, Londres W10 SAH, 1990;
11. “The Film Encyclopedia”, F. Klein & R.D. Nolan, 3rd Edition, HarperPerennial, New York, NY, 1998; e
12. “Leonard Maltin’s Movie Guide”, a Signet Book published by New American Library, New York, NY, 2005-2009.
[1] ((*) Cumpre registrar um ponto controverso de difícil apuração, segundo o qual Dmytryk só foi preso depois de voltar da Inglaterra, onde dirigiu “O Preço de uma Vida”, visto por alguns como crítica (?) ao Comitê. Convocado novamente, abriu o jogo e foi liberado para dirigir filmes nos EUA.
Realizador polêmico em face da histeria anticomunista e do abominável macarthismo dos anos 40-50, Dmytryk dirigiu filmes “noir” de categoria e dramas de boa qualidade, alguns nem tanto assim, em face de roteiros medíocres e de interferências externas, mas muitos deles integram as DVDtecas de cinéfilos daqui e dali. Quem tem seus filmes (uma raridade, diga-se de passagem) não gosta de emprestá-los, pois não sabem se ou quando voltam...
Este texto funde duas partes intrinsecamente ligadas: a primeira olha retrospectivamente para o fenômeno Hollywood, suas primícias e tempos áureos com centro de excelência em termos de cinema e como está hoje, bem assim para a crise surgida com o advento da TV, o macarthismo dos anos 50 e suas conseqüências no meio artístico. A segunda enfoca de forma sucinta a carreira do diretor, seu auto-exílio e o de outros cineastas, o retorno aos EUA e seu posicionamento equivocado frente ao Comitê de Atividades Antiamericanas do Congresso, o tal “House of Un-American Activities Committee” (HUAC), para novamente poder atuar como “filmmaker” em Hollywood. Ninguém aprova a delação, mas não é demais lembrar aqui as palavras de Ortega Y Gasset segundo as quais “eu sou eu e as minhas circunstâncias”...
Hollywood: Hoje e Ontem
Atualmente, Hollywood é um subúrbio um tanto desgastado de Los Angeles, desprovido do seu glamour de outrora como a capital do mundo do cinema, tal como a vêem os pesquisadores Barbara e Scott Siegel. Mas, para a maioria dos fãs da 7ª Arte de ontem e de hoje, Hollywood - denominada de início “bosque de azevinho” e depois “a fábrica de sonhos” e “cidade-ouropel” - não foi tanto um lugar como um estado de espírito, até mesmo durante a era de ouro dos anos 30 e 40, quando os estúdios se expandiram amplamente pela bacia de Los Angeles.
Originariamente o nome de um rancho existente no local da futura meca do cinema mundial, “Hollywood” assim foi chamada pelos proprietários, o sr. e sra. Wilcox, vindos de Kansas em 1886... O sr. Wilcox, dizem os historiadores, tinha sido um bem sucedido agente imobiliário capaz de aplicar seu talento para, em 1891, começar a subdividir seu rancho e vender terrenos. Em 1903, a pequena e sonolenta comunidade foi incorporada como vila, assumindo o nome do próprio rancho. Enquanto isso, a indústria americana de filmes crescia a olhos vistos em Nova Iorque, pois era essencialmente um negócio da Costa Leste.
Em 1907, entretanto, a produção de filmes em pequena escala começou a crescer na área de Los Angeles, quando o Coronel William N. Selig (1864 - 1948), líder e inovador entre os primeiros produtores cinematográficos, entrou no ramo. Sua produção, a Polyscope, estava entre as maiores e mais bem sucedidas empresas dos primeiros tempos do cinema, compartilhando das fileiras da Companhia de Thomas Edison, da Biograph e da Pathé francesa. O lugar de Selig na indústria de filmes ficou assegurado por dezenas de realizações. Numa delas, “O Conde de Monte Cristo” (1908), quando foram necessárias tomadas externas, ele se tornou o primeiro produtor a mandar uma unidade de filmagem para a Califórnia.
A Califórnia
Segundo o casal Siegel, a área situada no Sul da Califórnia seduzia os realizadores por vários motivos: o sol abundante o ano inteiro permitia mais tempo para rodar os filmes, e o terreno ainda não cultivado e de vegetação variada se ajustava bem para a realização de vários gêneros de filmes em exteriores. Em 1908, quando a companhia de Edison começou tentando colocar seus concorrentes fora dos negócios, o Sul da Califórnia tornou-se um refúgio para as recém-surgidas empresas interessadas em ficar tão longe de Nova Iorque quanto possível. Além disso, a fronteira mexicana estava bem perto para uma rápida escapada da lei.
Hollywood tornou-se parte da grande Los Angeles em 1910, embora fosse ainda uma localidade subdesenvolvida. Essa condição mudou drasticamente quando o produtor-diretor Cecil B. de Mille (1881 - 1959) lá chegou em 1913 com a intenção de fazer ali seu primeiro filme. Sabia-se do seu interesse em filmar em Flagstaff, no Arizona, mas DeMille não gostou do local e continuou viajando de trem até chegar ao fim da linha: Hollywood. Lá filmou o longa-metragem bem sucedido, “The Squaw Man” (1914) e subitamente, graças a DeMille, algumas vezes referido com o Pai de Hollywood, outros realizadores chegaram aos montes. Quando a “Motion Pictures Patents Company” de DeMille foi dissolvida em 1917, a maioria dos grandes estúdios tinha vindo do leste para fazer filmes, pois apenas mantinham escritórios em Nova Iorque.
Hollywood e a TV
Apesar de os grandes produtores - judeus em sua grande maioria - terem construído imponentes estúdios à prova de som e climatizados em lugares afastados e tão díspares como o San Fernando Valley e Culver City, Hollywood foi o nome com o qual ficou para descrever a sede de tudo quanto se relacionava com o cinema nos EUA. Para as platéias do mundo inteiro (e não vai aqui nenhum saudosismo), as palavras “Made in Hollywood” tornavam disponíveis os filmes mais opulentos feitos com profissionalismo e os mais excitantes. E assim, segundo os pesquisadores, permaneceu até fins dos anos 40 e início dos 50, quando o poder dos estúdios finalmente se esvaiu. Forçados a desfazer-se das suas cadeias de cinemas em face de problemas com a legislação antitruste e sofrendo grandes fracassos bilhetéricos devido à expansão do novo veículo comunicacional, a televisão, os estúdios começaram a desmoronar. Celulóides feitos rotineiramente em Hollywood eram filmados além-mar devido aos impostos. Além disso, atores, diretores e produtores tornaram-se independentes: simplesmente alugavam o espaço dos estúdios e faziam seus filmes. Finalmente, os estúdios se tornaram em grande parte apenas redes de distribuição ao invés de produções cinematográficas genuínas. Quando ocorreu essa erosão, como escreveram as fontes destas notas (v. filmografia), a imagem de Hollywood como capital do cinema sofreu um rude golpe.
Séries e Filmes para a TV
Ironicamente, Hollywood foi salva por quem no início quase a liquidou: a TV. Os estúdios da indústria cinematográfica e os terrenos espaçosos continuam em atividade até hoje graças à produção permanente de séries da TV como “House”, “Lost”, “Arquivo X”, assim como no passado se distinguiram séries como “Além da Imaginação” (The Twilight Zone), de Rod Serling, mestre em criar uma atmosfera instigante, misteriosa e finais inesperados. Destaquem-se, a propósito, os filmes feitos para a televisão, onde já se fizeram clássicos para a telona prateada e onde se formaram cineastas do porte de John Frankenheimer e Sidney Lumet, entre outros. Hoje temos os computadores, os efeitos especiais digitalizados, excesso de cortes, videoclipagem, “chicotes”, fantasias ridículas, bobagens românticas a granel, violência, fantasias, refilmagens narrativas mal estruturadas, abertura para o sexo desenfreado e até o sadismo de filmes recentes como “Jogos Mortais” ou as torturas numa adolescente, até o desespero, como em “Um Crime Americano”, baseado em caso real ocorrido nos EUA em Indiana, 1965.
A geração dos anos 50 pertence, toda ela, como bem expressou o crítico e filmólogo francês René-Veillon, à aventura cinematográfica capaz de fazer de Hollywood uma ilha desligada da realidade norte-americana, isolada quer pelo seu funcionamento autônomo, quer pelas mitologias erguidas entre ela e o seu público. Toda a história do cinema dos EUA, como já se disse tantas vezes, foi reconhecida ali no bulício dos estúdios, quando seguiram seu próprio caminho, obedecendo às suas regras próprias e oferecendo-se às contradições da época para melhor transformá-las em funções de si mesmas, como vimos em filmes como “Assim Estava Escrito” (The Bad and the Beautiful), de Vincent Minelli (1952). Segundo ainda o crítico francês, mesmo assim, nos anos 50, Hollywood foi ainda uma formidável máquina de sofrer e interpretar as dúvidas nascidas da guerra fria, restituindo-lhe o lugar numa continuidade histórica. O paradoxo do cinema dessa época, podemos concluir, consiste em pertencer simultaneamente à história de sua crise, embora não possamos dissociar esses dois termos.
Anos 50: Visão Retroativa
Os críticos e cinéfilos de modo geral não podem dissociar dos anos 50, linha divisória do século XX, o nome de Dmytryk e seus filmes, tampouco esquecer aquela década, pois, como sabemos, provocou uma ruptura profunda no meio cinematográfico hollywoodiano e na ambiência psicossocial dos EUA. Isso porque, no auge do seu poder e alcance, Hollywood estava envolvida nas primeiras audiências do HUAC, sigla sinistra da intolerância persecutória para muitos dos injustiçados, numa crise de confiança coincidente com o surgimento da televisão, enquanto a crise política de um mundo exaurido do pós-guerra prenunciava um estado de dúvidas e incertezas de caráter socioeconômico sugeridas pelo “crash” de 1929.
A retransmissão pela TV, dia e noite, dos depoimentos de atores, cineastas, produtores, roteiristas, dentre outros, convocados a testemunhar a respeito da “influência comunista” nos meios cinematográficos, tornou-se uma angústia permanente. Foi como se o mundo mítico do cinema estivesse condenado a um ritual de constrangimento e pressões de toda ordem, como salientou ainda René-Veillon na sua visão daqueles anos 50, dos quais milhares de pessoas sairiam humilhadas e muitas delas desempregadas e algumas presas. Essa encenação investigativa, lembrando, mutatis mutandis, a Inquisição papal de triste memória ou os “interrogatórios” da Gestapo e da KGB, contribuiu sem dúvida para desacreditar o sistema de funcionamento de Hollywood. Era tudo quanto queriam os políticos sequiosos de interferir na estrutura cinematográfica, todos eles ávidos de publicidade, objetivando deslocar para outros veículos de comunicação o prestígio e o poderio até então nas mãos do cinema, conforme registravam alguns críticos.
O espetáculo da crise política atingia os alicerces da crise político-econômica já referida, enquanto a TV mostrava aos quatro cantos o julgamento de um sistema por ela mesma condenado e cujas dificuldades registrava para depois neutralizá-lo e precipitar a sua transformação, como escreveu René-Veillon. No entanto, apesar desse quadro crítico em termos psicossociopolíticos também analisado por Scott e Barbara Siegel (v. bibliografia consultada), surgiram cineastas dispostos a enfrentá-los. Dentre eles destacamos Otto Preminger, Robert Aldrich e produtores independentes não comprometidos, como Stanley Kramer e James B. Harris (este faria depois dupla com Stanley Kubrick), bem assim roteiristas e autoras como Lillian Hellman, de “Pérfida” (The Little Foxes, 1941), dirigido por William Wyler, e de “Julia”, sua obra homônima adaptada por Alvin Sargent e levada à tela por Fred Zinnemann em 1977, e Ayn Rand, de “Vontade Indômita” (The Fountainhead, 1949), de King Vidor.
Lembremo-nos de escritores como Ring Lardner de “A Mulher do Dia” (Woman of the Year, 1942), de George Stevens; de “Laura” (1944), com “script” de Betty Reinhardt, Jay Dratler e Samuel Hoffenstein baseado no romance de Vera Caspary, e direção de Preminger. Igualmente, de “O Grande Segredo” (Cloak and Dagger, 1946), de Fritz Lang, com mais um “screenplay” de Lardner, e principalmente de Carl Foreman, roteirista de “Espíritos Indômitos” (The Men, 1950), “Matar ou Morrer” (High Noon, 1952), ambos dirigidos por Zinnemann, e de “A Ponte do Rio Kwai” (The Bridge on the River Kwai, 1957), de David Lean, para só ficarmos nestes nomes vindos à memória.
Os Anos Verdes de Dmytryk
Quando ainda garoto Dmytryk perdeu sua mãe, o pai decidiu transferir-se para San Francisco, cidade com maiores possibilidades para uma família de classe média baixa. Em pouco tempo o genitor casou-se em segundas núpcias e o jovem Dmytryk, o mais novo dos filhos, sentiu-se negligenciado, pois tinha de contribuir para a renda familiar vendendo jornais, revistas e assinaturas, mesmo quando ainda estava concluindo o primeiro grau. Terminado o ginasial, o adolescente de 15 anos conseguiu um emprego na Paramount, em Hollywood, como mensageiro. Além dos trabalhos externos, ele atuava também como contínuo. Com o correr do tempo, foi-se mostrando eficiente e cumpridor dos deveres e galgando posições até conseguir empregar-se como auxiliar de projecionista (pois havia começado a gostar do entretenimento das imagens em movimento) e depois como substituto do titular e até um “faz-tudo” em várias fases de produção, a tanto conduzia sua rápida percepção das coisas.
Aos 20 anos, Dmytryk tornou-se assistente de montagem e aos 26 foi promovido a montador e depois a montador-chefe, posição virtualmente mantida nos anos 30. Ao longo do caminho, dirigiu ele um filme experimental de 60 min sobre tribofe em corrida de cavalos e por certo não incluído em sua filmografia dos primeiros tempos, provavelmente porque se perdera no arquivo morto de alguma produtora de cinema amador. Durante esse período rico para o seu aprendizado e amadurecimento técnico, conforme reconheceu em entrevista dada nos anos 50, Dmytryk viu e reviu muitos clássicos na tela dos cinemas ou na sala de edição, filmes de Griffith, Murnau, Stroheim, Molander, Pabst, Sternberg, Riefenstahl, L’Herbier, (Max) Ophuls, Eisenstein e Kuleshov. Leu também textos sobre o específico fílmico e a direção cinematográfica. Não admira ter sido tempos depois professor de cinema nos anos 70 e 80 nas universidades do Texas, em Austin, e da Califórnia do Sul e escrito dois livros em 1984, um dos quais “On Screen Directing” (v. Para Saber Mais), livro de cabeceira de muitos cineastas novos e veteranos, bastante difundido nos EUA. Ainda quanto à sua fase inicial, acresça-se a crédito de Dmytryk o seu trabalho de edição em “Vamos à América” (Ruggles of Red Gap, 1935), de Leo Mc Carey, e em “The Hawk”, sem título em português, bem assim o fato de ter sido chamado para orientar a atuação cênica da inquieta Betty Grable na comédia colegial “Ela Prefere um Atleta” (Million Dollar Legs, estes dois também de 1935), dirigida pelo artesão Nick Grinde.
“Metteur-en-scène”
Embora filmólogos como Marcel Martin prefiram escrever “metteur-en-présence”, optamos por deixar a forma tradicional, pois o cinéfilo leitor estará entendendo logo o significado da expressão. Assim chegou Dmytryk a diretor em 1939. Apesar das cenas de ação bem dirigidas e razoável acolhida da crítica e das bilheterias, seus cinco primeiros filmes são esquecíveis e dispensam comentários: “Espionagem por Televisão” (Television Spy, 1939), ‘’O Corsário Fantasma” (Mystery Sea Raider), “Servidores da Lei” (Emergency Squad), “Luvas de Ouro” (Golden Gloves) e “Seu Primeiro Romance” (Her First Romance), todos de 1940. Nas oito películas de 1941/42, Dmytryk melhorou a qualidade rítmica de seus filmes e a boa interação entre planos fixos e móveis. apesar dos roteiros fracos e dos orçamentos limitados dos filmes-B. São eles: “Os Mortos Falam” (The Devil Commands), “Menor de Idade” (Under Age), “A Namorada do Colégio” (Sweetheart of the Campus), “A Loura de Singapura” (The Blonde From Singapore), “O Segredo da Estátua” (Confessions of Boston Blackie), “As Jóias do Imperador” (Secrets of the Lone Wolf), todos de 1941, e “Dama em Perigo” (Counter-Espionage), “O Farol dos Espias” (Seven Miles from Alcatraz) e “O Falcão Contra-Ataca” (The Falcon Strikes Back), estes de 1942.
A Segunda Fase
A carreira de Dmytryk tornou-se promissora e ascendente a partir do filme antinazista “Os Filhos de Hitler” (Hitler’s Children, 1943), apreciado pelas platéias e bem sucedido à época em termos de bilheteria. Afinal, o mundo estava em guerra. Alguns críticos viram a película como um melodrama artificial situado numa Alemanha improvável (?), embora outros o elogiassem pela recriação cinematográfica de uma ambiência sinistra e verdadeira e pelo roteiro de Emmet Lavery baseado no livro “Educando para a Morte”, de Gregor Ziemer, no qual os nazistas da ditadura de Hitler são mostrados como realmente eram e não como um bando de idiotas na linha tradicional de algumas produções hollywoodianas..
Seguiu-se a esses filmes de 1940-43, a trilogia “noir” com “thillers” de suspense com os quais Dmytrýk ganhou o respeito de analistas exigentes: “Até à Vista, Querida” (Murder My Sweet, 1945), roteiro a cargo do mestre John Paxton apoiado no romance “Farewell My Lovely”, de Raymond Chandler; “Acossado” (Cornered, também do mesmo ano), novamente com Paxton baseado em história de John Wexler e Dick Powell atuando nos dois filmes como protagonista, e “Rancor” (Crossfire, 1947), da obra de Richard Brooks também adaptada por Paxton, alterando-se apenas o objetivo do ódio psicopático ao homossexual, como no texto original, para o ódio ao judeu, tudo por exigência homofóbica de produtores e censores! “Rancor” foi indicado para o Oscar de Melhor Filme, Melhor Roteiro e Melhor Ator. O “Halliwell Guide” lhe deu a nota máxima, 4 estrelas! Dmytryk só não ganhou o Oscar de Melhor Diretor devido à acusação de diretor comunista (sic) por parte do HUAC!
Quando Dmytryk estava no acme de sua carreira e prestígio (visto até como galã bem apessoado e “enfant-gaté” de muitas jovens), o segundo semestre de 1947 se tornou um período aziago na vida do cineasta canadense. Convocado para depor no Comitê de Atividades Anti-Americanas, sobre a qual já discorremos na primeira parte deste artigo, recusou-se, com base na 1ª emenda da Constituição, a responder às perguntas do Comitê incumbido de investigar a influência comunista em Hollywood. Por isso, juntamente com outros nove, tornou-se um dos infames “Dez de Hollywood”, já referidos. Ei-los: Adrian Scott, Ring Lardner, Samuel Ornitz, Alvah Bessic, Herbert Biberman, Lester Cole, John Howard Lawson, Albert Matz, Dalton Trumbo e Edward Dmytryk. Todos foram condenados a um ano de prisão e multa de US$1000. Dmytryk saiu com seis meses e exilou-se na Inglaterra. Quando retornou, relacionou os nomes dos colegas participantes das reuniões do partidão. Apesar dos adversários de sua atitude, alguns amigos compreenderam o alcance das pressões por ele recebidas. Nenhum, porém, foi tão estigmatizado quanto Elia Kazan, pois este chegou a pagar um anúncio em página de jornal para denunciar os colegas!
Reações contra o HUAC
Atores como Burt Lancaster, Henry Fonda, Kirk Douglas, John Wayne, Humphrey Bogart e dezenas de outros se manifestaram contra o HUAC, bem assim teatrólogos como Arthur Miller e William Inge e roteiristas e autores como Budd Schulberg. A paranóia concernente às “intenções soviéticas” para minar e destruir a sociedade americana conduziu Hollywood a um expurgo considerável de diretores, atores, produtores e particularmente escritores, os quais viam suas carreiras e com freqüência suas vidas destruídas, como as de Larry Parks e John Garfield, para citar apenas estes dois, pois o caso de Charlie Chaplin comportaria muitas páginas. Em suma, mais de mil pessoas marcadas com o labéu de comunistas ou simpatizantes descobriram ser impossível defender-se naquelas circunstâncias. Muitos nem mesmo sabiam estar na tal lista negra, só viriam a sabê-lo quando descobriram a impossibilidade de conseguir emprego... Muitos vendiam seus “scripts” para sobreviverem usando pseudônimos. Tristes tempos...
Fuga para a Europa
Lardner, Foreman e os cineastas John Berry, Joseph Losey, Robert Rossen, Jules Dassin e alguns outros emigraram para a Europa. Tiveram de dirigir filmes com nomes falsos, de tal modo pudessem exportar suas fitas para o mercado americano... Caso mais notável é o de Dalton Trumbo (1905-76), outra vítima do macarthismo. Escreveu 18 “screenplays” sob vários pseudônimos. Sua história para “Arenas Sangrentas”, (The Brave One, 1956) fez jus a um Oscar para o desconhecido Robert Rich, mas este, no fim de contas, não era outro senão o próprio Trumbo, para estupefação da indústria na cerimônia de entrega do Oscar. Para F. Kline e R.D. Nolan, Trumbo foi o primeiro dos escritores da “lista negra” a emergir do subterrâneo do anonimato, graças à insistência de Kirk Douglas, Preminger e Kubrick, homens de visão humanista e prestígio no meio cinematográfico. Daí o motivo pelo qual o nome de Trumbo apareceu nos créditos de suas respectivas produções, “Spartacus” e “Exodus”. A Legião Americana tentou boicotar os dois filmes, colocando piquetes na porta dos cinemas (decisão de um ridículo atroz), mas sem nenhum resultado.
Trumbo acabou realizando seu antigo sonho de levar à tela a sua sombria novela antimilitarista “Johnny Vai à Guerra” (Johnny Got his Gun, 1971), primeiro e único filme dirigido por ele. A realização ganhou um prêmio no Festival Internacional de Cannes, mas o retorno de Trumbo aos EUA foi marcado por problemas de saúde. Bem sucedido após cirurgia de câncer de pulmão, morreria de ataque cardíaco aos 70 anos. Deixou-nos “screenplays” exemplares, como “Kitty Foyle” (1940), “Arenas Sangrentas” (1956), “Spartacus”, “Exodus” (1960), “O Último Pôr-de-Sol” (1961), “Sua Última Façanha” (1962), “O Assassinato de um Presidente” e “Papillon”, ambos de 1973. O mundo dos “screenplays” ficou órfão depois do desaparecimento de Trumbo, disse Kubrick, um dos defensores do seu pensamento político e da plena liberdade de criação para o artista.
Na Inglaterra
Tão logo foi solto[1](*), Dmytryk se impôs um exílio forçado na velha Albión, assim como o fizeram alguns do já citados cineastas e roteiristas. Lá dirigiu três filmes: o primeiro, “Aquele Dia Inesquecível” (So Well Remembered, 1948), escrito por Paxton, calcado no romance de James Hilton. Para Dilys Powell do “Sunday Times”, “a ocasional tibieza do texto original é compensada por um sentido fortemente comunicativo de clima e locação: as ruas tortuosas brilhando na chuva, as casas soturnas e sufocantes”. Bob Warren viu no filme “uma câmara perscrutadora atenta a cada detalhe relevante e às máscaras dos actantes”. O segundo, o socialmente consciente e bastante elucidativo “O Preço de uma Vida” (Give Us This Day, 1949), teve roteiro de Ben Barzman e a colaboração do próprio Dmytryk. Houve quem visse no subtexto do filme uma tentativa do cineasta para explicar seu testemunho frente ao HUAC e ser perdoado pelos amigos... O terceiro foi “Mórbido Despeito” (Obsession, 1949) sobre tentativa de vingança criminosa de um marido e um final surpreendente, precedido de uma tensão exasperante e bem construída.
Para fechar esta visão retrospectiva, permitindo-nos sugerir aos cinéfilos porventura interessados no macarthismo a revisão de filmes como “Culpado por Suspeita” (Guilty by Suspicion, 2004/2005), de Irwin Winkler, e “Boa Noite, e Boa Sorte” (Good Night, and Good Luck, 2005), de George Clooney, ambos analisados por este escriba, respectivamente no Caderno de Cultura do DN (05 e 12 de dezembro de 2004) e no “Zoeira” (12 de fevereiro de 2006), para terem idéia mais abrangente do clima angustiante vivido por artistas, técnicos, escritores e atores naqueles tempos ominosos.
Filmografia Essencial
Vimos e revimos quase todos os celulóides dirigidos por Dmytryk. Chegamos a comentar alguns deles no antigo CCF e a debatê-los nos anos 50/60 após a exibição dos filmes do cineasta nas telas da cidade, por iniciativa do pranteado Darcy Costa, seu fundador e presidente por vários anos. Da extensa bagagem do realizador canadense, ressaltamos “Até à Vista, Querida”, “Acossado”, “Rancor” (a trilogia “noir”), “Volúpia de Matar”, “O Preço de uma Vida”, “A Nave da Revolta”, “Minha Vontade É Lei”, “Lança Partida”, “Os Deuses Vencidos” e “Miragem”. Não assistimos aos seus dois últimos filmes, “He Is my Brother” (1976) e “Not Only Strangers” (1979), nem conseguimos obter seus títulos em português, tampouco os temos em DVD.
Segundo um crítico do “Variety”, Dmytryk ainda revelava o brilho de sua concepção de cinema em seus derradeiros trabalhos profissionais, mesmo quando os roteiros eram medíocres ou limitados em escopo, ou quando havia interferências, geralmente descabidas de produtores e das próprias distribuidoras. Assim não dá para trabalhar, dizia ele para Kirk Douglas, a quem dirigiu em “O Malabarista” (The Juggler, 1953). Mas, mesmo em obras menores como “O Quarto Oculto” (Obsession, 1946) e “Volúpia de Matar” (The Sniper, 1952), Dmytryk pôde deixar o sinete de sua força para exprimir-se e comunicar-se via imagens em movimento e subtexto, sem perder de vista a coerência do seu processo narrativo. Sumarizamos aqui as qualidades intrínsecas de oito títulos citados acima, os quais dão idéia de como Dmytryk via a realidade psicossocial e econômica do nosso cambiante dia-a-dia e de como a levava ao cinema com proficiência técnica. Ei-los:
“Até à Vista Querida” (Murder, My Sweet, 1945), primeiro filme “noir” de Dmytryk, válido não só pelo jogo de sombras do p&b de Harry J. Wild como pelo roteiro de John Paxton, a quem devemos a abertura com o detetive Philip Martowe (Dick Powell) de olhos vendados, pois ficara temporariamente cego num tiroteio. Vemo-lo recontando para a polícia os eventos conducentes a esse estado e ao seu envolvimento com pessoas assassinadas. Esse desvio da novela original de Raymond Chandler introduziu dois artifícios recorrentes do “noir”: o processo narrativo em retrospecto e o narrador interno (a voz “over”) e estes conduzem o espectador a lugares tortuosos e habitados por marginais e criminosos. Contratado por um ex-presidiário, o protagonista deve descobrir o paradeiro de Velma, ex-cantora de clube noturno. Toques eficazes da direção se impõem, como nos “flashes” intermitentes de luzes da rua refletidas na janela do escritório de Marlowe, ou na presença de Otto Kruger como diretor do sanatório onde o detetive esteve drogado e prisioneiro. Do conflito inicial às ações dele decorrentes chega-se à casa de praia na qual ocorre o clímax, quando o suspense e a expectativa desfecham na definição dos fatos dramáticos antecedentes e Claire Trevor aparece como “femme fatale”.
“Acossado” (Cornered, 1945). De novo Dick Powell no papel-chave, dessa feita como um oficial franco-canadense à procura de encontrar o responsável pelo assassinato de sua mulher. Suas andanças o levam a Buenos Aires para onde fugiram nazistas e antigos colaboradores do regime. O filme é apenas perifericamente “noir” e não tem a complexidade de “Até à Vista, Querida”, pois o jogo do tempo não transforma a duração da história. Dmytryk utiliza a confusão dos tempos para encorpar o entrecho e o conflito da solidão intensificado pelos acessos de amnésia do protagonista. A direção faz uso de elementos típicos de “noir”, não só na iluminação mas na forma pela qual cria o suspense e o ritmo para o final surpreendente, no qual Luther Adler, mesmo por pouco tempo, faz de Marcel Jarnac, pela sua máscara , um criminoso inesquecível. Destaquem-se os diálogos frios, significativos, como aquele no qual alguém pergunta ao protagonista: “Por que tanto interesse em vingar uma mulher morta há tanto tempo? Ela era bonita?”, “Não, era magra e tinha dentes tortos. Mas me lembro de certas coisas e me prendo a essas memórias”. Walter Slezak é outra presença marcante no elenco. “Screenplay” de John Paxton.
“Rancor” (Crossfire, 1947), “script” de Paxton, roteirista de primeira linha, baseado no livro de Richard Brooks, “The Brick Foxhole”. Apesar de a abominável censura do Código Hays exigir uma mudança no tema do homossexualismo para o do anti-semitismo, “Rancor” ganha o “status” de um dos melhores do ano e o máximo de quatro “estrelas” do Halliwell Guide, filme obrigatório nos cinemas e cineclubes dos EUA e da Europa. Um judeu é assassinado num hotel nova-iorquino e três soldados são suspeitos. “Thriller” tenso, com diálogos marcantes, todo filmado à noite com uso eficaz das técnicas de câmara, notável pelo estilo, interpretação, experimentação e o primeiro celulóide americano a condenar o racismo intolerante. Fotografia admirável de J. Roy Hunt, música de Roy Webb, três Roberts no elenco (Ryan, Young e Mitchum), com Ryab em desempenho excepcional, Gloria Grahame atua como atendente de bar (o máximo permitido em Hollywood para sugerir uma prostituta) e Paul Kelly está magistral como um patético amante ocasional da “B-girl”, mas estranhamente um personagem digno de estudo: numa angustiada torrente de palavras, o personagem confessa seu tormento emocional por desejar uma mulher incapaz de amá-lo, porque ganha a vida vendendo a outros tudo quanto ele anseia para si. Dmytryk explicou como mudou progressivamente as lentes da câmara quando filmava cenas com Ryan, de tal forma a distorcer gradualmente o rosto do ator, acentuando a revelação da reprimida paranóia do personagem sádico e anti-semita. Um filme raro.
“A Nave da Revolta” (The Caine Mutiny, 1954). Dmytryk chega a exorcizar a sua própria posição, transformado o personagem vivido por Fred McMurray no ‘’herói’’ da traição, ao fazer do capitão psicopata interpretado por Humphrey Bogart um culpado capaz de torná-la necessária... Tudo se encaixa na ordem hierárquica militar, mesmo se essa sai um tanto abalada. O sujeito individual, como o vêem alguns analistas, transformou-se em sujeito coletivo e o traidor passa de culpado a vítima e a herói de uma salutar revolta contra a força e o arbítrio.
Esse mesmo processo conduz a evolução dramática do personagem de Richard Widmark em “Lança Partida” (Broken Lance, 1954) e “Minha Vontade É Lei” (Warlock, 1959), nos quais Dmytryk desenhou por meio das convenções do gênero o esboço das suas obsessões. De fato, em ambos os “Westerns”, embora de enredos diferentes, Widmark atraiçoa os irmãos, quer porque se insurja contra a lei do pai magistralmente interpretado por Spencer Tracy, quer porque se submeta a ele e receba seu sinal (os revólveres Colt de ouro de Henry Fonda). Ainda assim tem de enfrentar essa comunidade de irmãos e isso assombra o universo de Dmytryk como um remorso penosamente transcendido, como aponta René-Veillon. Mas se por vezes o cineasta tem a audácia de revelar a identidade de um gesto e de enriquecer com suas fraquezas a intensidade do seu projeto cinematográfico, na maior parte dos casos Dmytryk prefere exibir a maestria dos atores e a maquinaria do estúdio na realização do filme. O roteiro é de Robert Alan Arthur e a novela original leva a assinatura de Oakley Hall.
“Os Deuses Vencidos” (The Young Lions, 1958), escrito para a tela por Edward Anhalt com base no romance da Irwin Shaw, enfoca o drama de dois americanos na II Guerra e de um alemão instrutor de esquiagem. Os três se entrelaçam e bem se poderia pensar num épico, segundo o próprio Dmytryk. O resultado tem um sopro renovador e de modo geral concentra a atenção do espectador, embora um tanto irregular e decididamente muito longo. Faltou dessa vez a Dmytryk o toque truffautiano para eliminar o supérfluo em favor da concisão e da elipse. Desconhecemos as interferências dos produtores em relação a “Os Deuses Vencidos”, mas para Pauline Kael, sempre uma crítica exigente, o filme de Dmytryk é episódico o superproduzido como um Grande Hotel em tempo de guerra... Joe MacDonald e Hugh Friedlander foram indicados ao Oscar de Melhor Fotografia e Melhor Música, respectivamente. A personagem de Barbara Rush age num diálogo como se já soubesse do resultado da II Guerra muitos anos antes... Um escorrego ou “gato” capaz de passar sem ser visto por roteiristas, e até por Dmytryk, sempre atento a esses bichanos.
“Miragem” (Mirage, 1965), um dos melhores “thrillers” de suspense da carreira de Dmytryk. Foi adaptado por Peter Stone de uma novela de Walter Ericson. Fotografia de primeira a cargo de Joe Mac Donald e música de Quincy Jones. No elenco, Gregory Peck, Diane Baker, Walter Mathau, Leif Erickson e Kevin MacCarthy. Executivo de empresa cai do alto de um edifício em noite de “blackout” e a única testemunha do estranho e trágico incidente perde a memória… Conforme referIdo mais adiante nas Opiniões, “trata-se de um filme digno de Hitchcock em sua melhor vindima”. Desempenhos de categoria por parte de todo o elenco, precisão no ritmo das ações e na edição final.
O Profissional
Ao longo de sua carreira como “filmmaker” (aqui entendido o termo como realizador de um filme pleno de imageria expressiva e de criatividade, e não como o diretor contratado para executar um roteiro com olhos voltados para a consecução de lucros com a produção), Dmytryk mostrou tirocínio, capacidade de liderança e de trabalho em equipe, flexibilidade no trato com roteiristas, produtores e montadores, eficiência no uso da câmara, preocupação sadia no tocante aos prazos e ao orçamento da produção. Uma pena tenha sido truncada sua carreira na época no macarthismo, quando o direitor Sam Wood o denunciou como comunista perante o HUAC, e quando o acusado já se decepcionara com essa ideologia. Sentenciado a um ano de prisão e multa de US$1,000 por desacato à Corte, Dmytryk auto-exilou-se na Inglaterra, onde dirigiu três filmes. Retornou a Hollywood em 1957 (amigos lamentaram seu retorno, pois preferiam tivesse agido como Losey e Berry, os quais lá ficaram e fizeram carreira na Europa) e testemunhou na segunda rodada das audiências do HUAC, quando incriminou vários dos seus colegas e aí teve carta branca para novamente atuar como diretor cinematográfico...
Em fins dos anos 70, como já referido, Dmytryk ministrou cursos de cinema na Universidade do Texas, em Austin, e em 1984 foi designado como “Filmmaking Professor” na Universidade da Califórnia do Sul. Casado em segundas núpcias com a atriz Jean Porter, escreveu sua autobiografia intitulada “It’s a Hell of a Life but not a Bad Living” (Um Inferno de Vida mas não tão Ruim Assim). Amargou no entanto, durante anos, sua delação no HUAC, segundo se soube, mas levou-a para o túmulo como nódoa indelével. Morreu tranqüilo aos 91 anos, tendo sobrevivido aos seus críticos e algozes. Seu enterro modesto teve a presença de familiares e dos poucos amigos sobreviventes.
Opiniões
“Dmytryk não parou no tempo, apesar das pressões sofridas com o macarthismo abjeto e de suas dificuldades financeiras, do auto-exílio na Inglaterra e do seu retorno aos EUA, quando lamentavelmente relacionou o nome de outros profissionais participantes das reuniões do Partido Comunista. Foi execrado por isso, mas casos assim devem ser vistos contextualmente, embora ninguém aprove a delação. Por isso mesmo ainda é um prazer renovado ver filmes como ‘Lança Partida’ (Broken Lance, 1954), ‘Minha Vontade é Lei’ (Warlock, 1959) e o instigante e pouco valorizado ‘Miragem’ (Mirage, 1965), ‘digno de um Hitchoock no melhor de sua vindima’”.
Dale Bailey no LA. News 1967, citado em parte pelo Halliwell Movie Guide, 2004.
“Vejo nos melhores de Dmytryk, tanto em suas incursões no filme ‘noir’ como noutros gêneros, o cineasta plenamente afinado com uma câmara voltada para as qualidades essenciais da imagem fílmica e o aproveitamento inteligente das elipses e do p&b nos interiores. Em ”Miragem” (Mirage, 1965), por exemplo, pequena obra-prima de suspense, o cineasta canadense consegue transformar um meio mecânico de reprodução num veículo de expressão artística. A narrativa é instigante:e o elenco bem conduzido, com Gregory Peck e Diane Baker á frente, atende bem às exigências da ‘’mise-en-scène’’.
Jean Bourgoin in transcrição do“Paris Match”, nov 1966.
“Por motivos de ordem vária são inesquecíveis ‘Volúpia de Matar’ (The Sniper, 1952), ‘A Nave da Revolta’ (The Caine Mutiny, 1954), ‘Os Deuses Vencidos’ (The Young Lions, 1958) e ‘Minha Vontade é Lei’ (Warlock ,1959). Não nos esqueçamos dos méritos de filmes menores como ‘Os Filhos de Hitler’ (Hitler’s Children, 1942), ‘Atrás do Sol Nascente’ (Behind the Rising Sun, 1943), tampouco destes da trilogia ‘noir’ com ‘Até à Vista Querida’ (Murder My Sweet), ‘Acossado’ (Cornered, ambos de 1944) e ‘Rancor’ (Crossfire, 1947), afora alguns dos fins dos anos 50”.
Rudolph Kessler in “Der Spiegel”, Sep. 1960.
“Cineasta cuja marca registrada na indústria americana de cinema foi feita tanto pelo seu papel singular no escândalo dos ‘Dez de Hollywood’ como pelas suas produções. Como diretor, Dmytryk tez cinqüenta filmes, pelo menos seis deles foram especialmente memoráveis. Apesar de tudo, foi um cineasta dos mais eficazes nos filmes ‘noir’ dos fins dos anos 40 e naqueles dos 50”.
Scott & Barbara Siegel in “The Encyclopedia of Hollywood”, Avon Books, 1991.
Fique por Dentro
DOLLY - Alguns cinéfilos e mesmo estudiosos de cinema usam o artigo masculino (o “dolly"), enquanto outros, o feminino (a “dolly"). Para o cinéfilo Dale Bailey (fala bem o espanhol e o português) , tanto faz. Uma questão de escolha, de preferência pessoal. Importa saber o significado do termo, seja considerando-o apenas como a plataforma (ou suporte equipado com rodas) sobre a qual estão uma câmara e o seu operador, ou como o carrinho (ou maquinário) e quem nele trabalha. Ou seja, o propósito da “dolly" é permitir a aproximação, o recuo ou o deslocamento lateral da câmara em relação à filmagem de cenas pelo seu operador, evitando-se cortes desnecessários. A “dolly" difere bastante da “steadicam” com DIS (“digital image stabilizer”), na qual o operador “veste-a” no corpo e anda com ela para evitar o treme-treme das imagens. Sua invenção se deve a Garret Brown, em 1972, a instâncias de Kubrick. Este a utilizou em seus últimos filmes. Brown e seu assistente fizeram jus a um Oscar especial em 1977.
Voltando à “dolly", quem a controla é o “dolly grip”, espécie de funcionário faz-tudo. Quando se emprega a “dolly" o resultado é com freqüência chamado de um plano “tracking”, “trucking” ou “traveling”, bem assim de “dolly shot” ou simplesmente plano “dolly”. Quando a “dolly" se move em direção ao centro da ação, chama-se “dolly in”; se recua ou se afasta é “dolly out”, e quando se move paralelamente a uma cena em movimento é o “dollying”, “tracking”, etc. Há vários tipos de “dollies” exóticas para usos incomuns, tais como a “crab dolly” (“dolly” caranguejo), a qual pode mover-se para os lados, além de fazê-lo para frente e para trás. Há também a “Western dolly”, cujas rodas massivas de borracha propiciam um movimento firme e suave em terreno irregular. Outro tipo de artifício é o “elemak dolly”, também conhecido como o “spider dolly” (ou “dolly” aranha), particularmente útil em cenários de pouco espaço, tais como corredores estreitos, devido às suas “pernas” ajustáveis. Graças às “dollies”, as imagens-movimento no cinema ganharam posicionamentos e valores técnico-artísticos inexistentes em tempos recuados.
Para Saber Mais
1. “Edward Dmytryk, um Cineasta Esquecido”, artigo de Paulo de Freitas Marques publicado pelo CEC de Belo Horizonte, quando da 1ª Jornada de Cineclubes naquela Capital, 1960;
2. “Dicionário do Cinema Americano” (Os Anos 1945-60), de Olivier René--Veillon, Publicações D. Quixote Ltda, Rua Luciano Cordeiro 119, 1098, Lisboa, Codex, Portugal, 1985;
3. “The American Cinema, Directors & Directions, 1929-68”, de Andrew Sarris, A Dutton Paperback, Clark, Irwin & Co. Ltda, Toronto & Vancouver, 1968;
4. “Macarthismo & Caça às Bruxas: Olhar Retrospectivo”, de L.G. de Miranda Leão em textos publicados no Caderno de Cultura do DN em 05 e 12 de dezembro de 2004;
5. “”On Screen Directing”, de Edward Dmytryk, London/New York, Focal Press, Ind. ed., 1984;
6. “The Encyclopedia of Hollywood”, de Scott & Barbara Siegel, Avon Books 195, Madison Av., New York, NY., Focal Press, 1984;
7. “Dicionário de Cinema”, de Jean Tulard, L&PM Editores, Porto Alegre (RS), 1992;
8. “Dicionário de Cineastas”, de Rubens Ewald Filho, Cia. Editora Nacional, 2002;
9. “Halliwell Movie Guide”, editado por John Walker, Harper Collins Publishers, New York, NY. 10022, 2005-2009;
10. “Film Noir: Reflections in a Dark Mirror”, de Bruce Crowther, publicado na Grá-Bretanha pela Virgin Books, Londres W10 SAH, 1990;
11. “The Film Encyclopedia”, F. Klein & R.D. Nolan, 3rd Edition, HarperPerennial, New York, NY, 1998; e
12. “Leonard Maltin’s Movie Guide”, a Signet Book published by New American Library, New York, NY, 2005-2009.
[1] ((*) Cumpre registrar um ponto controverso de difícil apuração, segundo o qual Dmytryk só foi preso depois de voltar da Inglaterra, onde dirigiu “O Preço de uma Vida”, visto por alguns como crítica (?) ao Comitê. Convocado novamente, abriu o jogo e foi liberado para dirigir filmes nos EUA.